Recessão democrática

Steven Levitsky e Daniel Ziblatt são autores da obra "Como as democracias morrem" e trata da recessão democrática que consiste numa série de fenômenos políticos, culturais e sociais que demonstram a séria erosão dos princípios democráticos no mundo. Aliás, deu especial atenção ao governo Donald Trump nos EUA onde se percebe-se nitidamente várias tendências antidemocráticas. A obra traz indicadores úteis para identificar a inclinação antidemocrática no mundo. Com a vitória de Biden, acredita-se no freio de tal inclinação.

A corrosão da democracia tem ocorrido em diversos países, como por exemplo, o Peru. Os autocratas costumam atua na busca do poder sem contestação. E, na maioria dos casos, nas últimas décadas, esses políticos minaram as instituições que poderiam frear ou contrabalançar o seu poder, como o judiciário, o legislativo e a imprensa.

Os modos que com isso se dá, frequentemente assumem as formas do que os autores descrevem como capturar o árbitro, tirar da partida pelo menos algumas estrelas do time adversário e reescrever as regras do jogo em seu benefício, invertendo o mando de campo e virando a situação do jogo contra seus oponentes. É muito esclarecedor saber em detalhes como isso tem sido feito em diversos países.

A obra é de leitura acessível, principalmente aberta para quem não possua formação específica na área. Não é basicamente teórica sobre política, apesar do extremo rigor das análises, trazendo casos concretos e apontando recentes acontecimentos políticos que acarretaram os cenários de recessão democrática.

O jogo antidemocrático traz candidatos que rejeitam a Constituição ou expressam disposição a violá-la. E, explicitamente sugerem a necessidade de medidas antidemocráticas, como cancelar eleições, violar ou suspender a Constituição, proibir certas organizações ou mesmo restringir direitos civis ou políticos basilares.

Os autocratas ainda buscam endossar o uso de meios extraconstitucionais para mudar o governo, tais como golpes militares, insurreições violentas ou protestos de massa destinado a forçar mudanças no governo. E, ainda, teimam em minar progressivamente a legitimidade das eleições, recusando-se, por exemplo, a aceitar resultados eleitorais dignos de crédito.

Na negação da legitimidade de seus oponentes políticos, descrevem seus rivais como subversivos ou opostos à ordem constitucional existente. Além de proporem a tolerância ou encorajamento à violência, como o uso de forças paramilitares, milícias, guerrilhas ou outras organizações dotadas de violência ilícita. Além de se recusarem a condenar outros atos significativos de violência política no passado ou em outros lugares no mundo.

E, no Brasil, no atual governo presenciamos muito dessas tendências. E, devemos ter cuidado com a tendência ao relaxamento na preservação dos direitos políticos, especialmente nos EUA, derivando para os demais países do mundo.

Precisamos lembrar que a democracia pressupõe a tolerância mútua que, em síntese, significa que enquanto nossos rivais jogarem pelas regras institucionais, nós aceitaremos que tenham o direito igual de existir, competir pelo poder e governar. Podemos divergir e mesmo não gostar deles, mas aceitaremos como legítimos opositores.

Sem a tolerância mútua é difícil sustentar a democracia que infelizmente, está recuando em todo mundo em países como Venezuela, Peru, Tailândia, Turquia, Hungria, Polônia, Bielorrússia e a Rússia onde Vladmir Putin há mais de quinze anos permanece no governo sem eleições.

Os ataques ao Estado Democrático de Direito no Brasil se iniciaram em 1999 com a entrevista do então deputado federal concedeu à TV Bandeirantes quando falou: "Só vai mudar, infelizmente, se um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro e, fazendo o trabalho que o regime militar não o fez: matando uns trinta mil, começando com o FHC, não deixar para fora não, matando! Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente", tal resposta foi para afirmar que caso fosse eleito (a presidência da República), aplicaria golpe de Estado no mesmo dia.

Mais tarde, em abril de 2020, em meio à grave crise sanitária promovida pelo Covid-19, o presidente da república participou publicamente de manifestações em apoio ao AI 5, proferindo ofensas ao Supremo Tribunal Federal e ao Congresso Nacional.

E, mesmo em 2018, acusou de fraude eleitoral o sistema brasileiro de captação de votos, afirmando, que após o primeiro turno, que ele já havia sido eleito. E, algumas vezes, em entrevistas, afirmou que não aceitaria resultado que não fosse de sua vitória.

Em agosto do mesmo ano, Eduardo Bolsonaro (filho do presidente da República) propôs uma lei que pretende criminalizar a apologia ao comunismo. Enfim, entende que o comunismo é qualquer visão que não faça parte daquilo que os bolsonaristas acreditam.

Na ocasião o Ministro Marco Aurélio do STF considerou a fala de Eduardo Bolsonaro como impropriedade e, ainda, afirmou que a democracia estava sendo solapada. E, o Instituto dos Advogados do Brasil (IAB), respeitável instituição jurídica, sendo a mais antiga das Américas, corroborou afirmando que a página negra da nossa história, o período do AI-5 que fora marcado de sangue de inúmeros brasileiros atingidos nos seus direitos humanos mais elementares. Firmou então o seu repúdio a qualquer tentativa de intimação às instituições democráticas.

O Ato Institucional nº 5, conhecido como AI-5, foi um decreto emitido pela ditadura militar em 1968. Historiadores classificam o AI-5 é entendido como o marco que inaugurou o período mais sombrio da ditadura. Segundo o texto do ato, o Presidente da República poderia decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República (Art. 2°, AI-5).

Ainda, segundo o artigo 11 do AI-5, eram excluídos de qualquer apreciação judicial (ou seja, nenhum juiz ou tribunal poderiam fazer qualquer análise) todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os seus respectivos efeitos.

Assim, busca-se a extinção da pluralidade de pensamento apesar de utilizar-se de mecanismos do próprio processo democrático. O grande apreço à violência é o que mais se adequa ao ex-capitão do Exército (quase expulso). E, seu símbolo mais popular em campanha eleitoral era o gesto que simbolizavam armas com as mãos.

Há fortes indícios comprovados de que Bolsonaro e sua família tem grande proximidade com milícias no Rio de Janeiro, segundo a Operação "Intocáveis", do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (GAECO) do Ministério Público do Rio de Janeiro. O atual Chefe de Estado brasileiro também manifesta sua grande admiração pelo período ditatorial brasileiro e já rasgou elogios ao coronel Brilhante Ustra que fora condenado por tortura.

Sem esquecermos os frequentes ataques aos jornalistas, principalmente, as do gênero feminino, como foi o caso da repórter da Folha de S. Paulo, Patrícia Campos Melo, que após, divulgar informações sobre as irregularidades ocorridas em sua campanha eleitoral, foi caluniada por sua fonte que a acusou, falsamente, de oferecer sexo em troca de informações. Ainda de acordo com os autores, assim como Trump nos EUA, o brasileiro possui todos os traços que tanto ameaçam a liberdade democrática do Brasil.

As lições dos autores foram pautadas em vinte anos de pesquisa, sendo que a principal é saber que onde existem os canais institucionais, os grupos de oposição devem usá-los.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 16/11/2023
Código do texto: T7933429
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