Minha história no Itamaraty

     Desde a infância tive a vontade de viajar e conhecer lugares diferentes. No começo, eram as viagens de trem pela minha região, depois de ônibus a Belo Horizonte. Fui direcionado fortemente por um livro chamado “Viagem pelo Mundo”, parte da coleção Alvorada da Vida que ganhei do meu pai, devia ter menos de 8 anos. Era um cruzeiro de brasileiros ricos pelo Mediterrâneo, com fotos em preto e branco. Aquilo foi decisivo para minha vida.

     Cresci, portanto, com o desejo de viajar e morar no exterior. Enquanto não podia, aprendia idiomas por meio da música. Na década de 60, predominavam músicas italianas. Eu comprava revistas de letras e aprendia a cantá-las. Nisso, me interessei também por francês e inglês.

     Na sequência, comecei a pensar que tinha de encontrar um trabalho que me propiciasse viajar. Ser apenas turista não me convencia, passar um mês por ano fora do Brasil não era o meu sonho. Tudo se encaminhou quando vi um anúncio no jornal Estado de Minas: Itamaraty abrirá concurso para Oficial de Chancelaria. ”Eureka”, tinha encontrado a solução. Nem sabia o que era Oficial de Chancelaria, mas parecia bom. O texto, num pedacinho de página, dizia que os concursos estariam abertos em seguida e que os aprovados poderiam trabalhar no exterior. Fiz assinatura do Correio Braziliense, o jornal que iria publicar o edital. Isso era 1973. Passei a receber o jornal em Belo Horizonte, um pacote por semana, não enviavam diariamente, até sair o edital.

     Uns meses depois, começou a epopeia: tinha que ir a Brasília fazer a inscrição. Voltei também para as provas. Passei em quarto lugar, entre mil novecentos e trinta e quatro candidatos de todo o Brasil. A prova era de nível secundário e tomei posse em fevereiro de 1974. Já em maio de 1975, fui removido para Jeddah, Arábia Saudita, para ficar 2 anos e depois, por acordo com a administração, me removerem para a Europa. Acordo cumprido: na metade de 1977 fui trabalhar na embaixada em Copenhague, Dinamarca.

     No frio nórdico, passei três anos – na época não havia limite de tempo no exterior, poderia ter ficado dez, quinze anos - porém pedi remoção de volta a Brasília. Já tinha matado minha vontade de viajar (eu achava) e tinha outra fase da vida me esperando: terminar Comunicação-Jornalismo na UnB e trabalhar em jornal. Isso feito, pedi exoneração em 1982. Já era professor concursado da Fundação Educacional do Distrito Federal, lotado na cidade-satélite do Gama, trabalhava de tarde e de noite, um sufoco. Também iniciei meu curso de Jornalismo na UnB 1975, porém só me formei em  em 1985,  por ter trancado matrícula durante os 5 anos de exterior. Em 1985, retornei a minha terra natal, Pitangui, MG, para cumprir um destino, eu pensava.

     Trabalhei por pouco tempo num jornal regional, quase entro na televisão e na política, fui professor universitário em Pará de Minas, fundei e mantive o jornal Correio de Pitanguy até 1991. Vivi em minha terra de 1985 a 1994. A saudade das viagens e do Vago Mundo, além de dificuldades financeiras, me fizeram fazer novo concurso para o Itamaraty em 1993. Passei em 17° lugar, já era concurso de nível superior. Nada mal. Voltei ao MRE em maio de 1994 e, já no final do ano, fazia minha primeira viagem para Montevidéu. Depois foi Santiago, Assunção e Porto Príncipe. Em 1999, conheci Ciudad del Este e Foz do Iguaçu, em virtude da Copa América daquele ano, realizada no Paraguai. Já estava removido para Roma, mas acabei sendo seduzido pela Tríplice Fronteira e troquei de lotação com um colega. Esse seguiu para Roma e para mim foram 12 anos de Paraguai: 5 de Ciudad del Este e 7 de Encarnación, no sul do país, fronteira com a Argentina. Chegou de novo a hora de voltar pra Brasília em 2012, também encarei. Lá me readaptei rapidamente, no meio tempo, em 2016,  estive 10 meses a serviço em Abuja, Nigéria, experiência bastante positiva. No andar da carruagem,  surgiu de novo a chance de voltar a Ciudad del Este. Topei de novo. Foram mais 5 anos de Três Fronteiras.

     No dia 3 de maio de 2023 compareci ao trabalho pela última vez para despedir-me dos colegas, parte inseparável da minha experiência existencial. Aliás, durante todo esse tempo, acumulei muitas amizades entre chefes, colegas, tanto do quadro do Ministério quanto do quadro de funcionários locais de cada consulado e embaixada, gente de muitíssimas nacionalidades. A despedida foi alegre e descontraída, fim de linha. Bola pra frente, outro ciclo está começando: podcasts, internet et caterva, o mundo gira e o mineiro continua rodando. 

 

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