Kafka e a Covid - 19
Cerca de quinze anos após ter lido pela primeira vez a novela A Metamorfose, de Kafka, a reli hoje em uma situação não muito agradável. Assim como o personagem principal da obra, Gregor Samsa, também me encontro enclausurado em meu quarto, sem poder sair do recinto e tendo assistência da minha namorada, que me traz comida na cama e que está me dando todo o conforto do mundo. Isto está acontecendo não por eu ter acordado certa manhã, depois de sonhos intranquilos, transformado em um inseto monstruoso, mas pelo fato de um vírus, que podemos sim chamar de monstruoso, ter se hospedado em meu corpo – sim, fui infectado e estou com Covid – 19.
As dores no corpo e na cabeça, a febre, a moléstia física, dentre outros sintomas dessa doença, além de estarem fazendo eu dar mais valor à minha saúde, também me fizeram pensar nos muitos escritores que sofreram demasiadamente por conta de uma condição física debilitada e que fizeram desta condição malograda a chave propulsora para a criação de obras artísticas que perdurarão para sempre, como Nietzsche, Dostoiévski, o próprio Kafka, entre tantos outros.
Como pode ser visto aqui no Recanto das Letras, eu já escrevi contos, poesias, crônicas, bem como textos em outros tipos de gêneros literários. Dentre estes textos, alguns podem ser considerados meia-boca, outros bons e alguns até excelentes, mas, nenhum, a meu ver, genial à maneira dos escritores citados acima. Daí me surgem algumas perguntas: será que o fato de eu sempre ter gozado de uma admirável saúde me levará sempre a escrever textos de uma qualidade muito inferior à dos gênios? E será que se esses gênios também gozassem de uma boa saúde nunca teriam escrito algo muito mais que razoável? O que me parece é que a arte da escrita é mais facilmente desenvolvida em pessoas que dispõem seu tempo em um isolamento, sendo esta prática imposta por necessidades forçadas, como uma doença, ou por livre e espontânea vontade, já que o trabalho de construção literária de uma obra de qualidade advém após muitas e muitas leituras, assim como de muitos rascunhos necessários até o texto ter tomado a forma adequada aos olhos do artista.
Sinceramente, acho que eu posso ficar aprisionado em uma redoma cheia de livros a vida toda, com tinta e papéis infinitos, que nunca poderia escrever nada que se compare a dez por cento de um Zaratustra, de um Irmãos Karamázov ou de um A Metamorfose, mas para mim não tem problema nenhum, eu me contento apenas em me deliciar com a leitura dessas grandes obras que me dão um prazer que eu não acho em nenhuma outra atividade nessa vida, a não ser quando estou com a minha família, e vez por outra vir aqui e escrever algumas palavras inspiradas pelas almas destes escritores que para mim sempre serão meus verdadeiros heróis.