Mudanças climáticas
As coisas aqui de casa começaram a derreter sem explicação plausível ou aviso das autoridades. Não sei se aconteceu também na casa de vocês. Começou no domingo à tarde. O sorvete, que sempre foi a primeira coisa a derreter, nem ficava congelado mais. Não adiantava colocar a guloseima no congelador. Desistimos da sobremesa. Isso também aconteceu com os queijos, com a manteiga, com a mandioca descascada, enfim, esses alimentos que aprendemos a conservar refrigerados na expectativa de esticar sua validade. Esquentavam e perdiam o sabor, a qualidade. Era tirar da geladeira, distrair um pouquinho e tudo derretia.
Depois, foi uma doidice, insanidade, o que aconteceu com os ventiladores, os climatizadores e os aparelhos de ar-condicionado. Como já não sabíamos o que fazer para combater o calor, ligamos tudo ao mesmo tempo. Começamos com os ventiladores logo de manhã, mas, no fim do dia, tudo estava ligado. Por pouco não tivemos uma batalha campal liderada pelos ventiladores e suas pás afiadas. Tropeçamos em fios cruzados, em mil ligações, pinos, réguas, tês, adaptadores. Uma loucura.
Aí foi a vez da minha mãe sair pendurando toalhas molhadas pela casa afora. Não, o varal não estava lotado, era uma tentativa de amenizar o calorão, o tempo quente e seco. Ela pegou todas as cordas disponíveis e montou uma estrutura de dar inveja às lavadeiras do passado, na época em que não existiam máquinas de lavar e secar roupas. Esforço inútil, num instante as toalhas estavam secas, esturricadas, e sua estratégia não amenizava a secura.
Uma tia velhinha estava inconsolada. Acho que ela perdeu as referências. Antes, tão perspicaz na interpretação das condições climáticas, astuta e rápida na previsão das chuvas, agora não sabia se ia chover, se viria um temporal, uma tempestade ou um veranico capaz de secar as minas d’água. Impressionada com notícias sobre furacões, enchentes devastadoras, ciclones, ondas incompreensíveis de calor e grandes incêndios, recusava-se a colocar as roupas no varal. E mais: desde que se levantava da cama, não se separava de seus casacos, às vezes reclamava, simultaneamente, do frio e do calor.
Além disso, gigantescas nuvens de fumaça e poeira erguiam-se no horizonte ao menor sinal de chuva. Mas chuva que era bom, nada, e os fins de tarde anunciavam noites quentes e abafadas. Notícias sobre a destruição de áreas de mata eram constantes nos jornais. A biodiversidade estava sendo destruída. Montanhas de lixo enfeavam os arredores das cidades, atraíam insetos, roedores, e espalhavam resíduos plásticos por todos os cantos. Plástico, muito plástico. Queixas frequentes sobre falta d’água, ineficiência do saneamento e a contaminação das fontes de água para abastecimento público deixavam as pessoas ressabiadas, tristonhas, inseguras. Acho que a solução vai ser todo mundo ficar no escuro, uma ou duas noites por semana, quem sabe assim a gente não conversa sobre o que está acontecendo!