O amor e o ódio superam todas as barreiras e limites
Sim, é o que percebo vendo pela CNN Brasil os combates ao redor do hospital de Gaza.
Os médicos ficam lá, entre dois fogos, arriscando a vida pelos seus pacientes moribundos, sem luz ou remédios. É muito amor ao próximo, superando qualquer barreira material ou limite do medo. E os soldados de Israel e os militantes do Hamas vá bala e bomba, ódio total, uns querendo matar os outros. Os médicos e feridos não são barreira alguma para ambos, que não possuem qualquer limite que impeça a realização de seus objetivos militares. O infame terrorismo do dia 7 libertou todos os odiosos demônios possíveis, malditos sejam. Mulheres, crianças e idosos são jogados na fogueira do pior dos infernos terrenos. Ainda bem que os brasileiros já voltaram de lá. Espero que os reféns também voltem.
Enquanto isso, hoje faltam exatamente seis dias para o IXº Sarau Literário de Charqueadas. Outro mundo e outras perspectivas aqui neste extremo brasileiro, graças a Deus. E hoje também faz exatamente dez anos que minha madrinha faleceu. Fico olhando para a bebê, que tem quatro avós e dois bisavós na volta e comparo comigo, que só tive duas tias-avós, a tia Nazinha (minha madrinha) e a tia Otília. Duas matriarcas de duas famílias diferentes, a paterna e a materna: Nair José Guerreiro e Autília da Rosa Bizarro, minhas "avós". Minha família é matriarcal de pai e mãe, portanto.
A tia Nazinha, que era também madrinha do meu pai, viveu até os 101 anos, andando, conversando e ouvindo, lúcida. Nasceu quase três meses antes do Titanic afundar e no dia que inauguraram o primeiro farol da praia de Torres, 25 de janeiro de 1912 - ela durou mais que os três faróis que a cidade teve. Deixou pra mim seu quadro de batismo (um São Francisco de Paula), o quadro dos seus quinze anos e o álbum dos seus 100 anos, uma herança que muito me orgulha e deixa feliz.
A tia Otília foi a única pessoa da qual eu ouvi da própria boca que queria morrer quando estava visivelmente no final. Estava mal, no hospital, fui com a mãe a visitar e ela disse que desejava partir, não tinha medo, estava cansada, não queria mais ficar, mas respeitava a vontade de Deus. O Senhor aquiesceu, pois ela não durou muitos dias. Era costureira aposentada e viúva, construiu uma casa nova depois dos 70 anos e ao morrer deixou todos os serviços fúnebres e enterro pagos, o pessoal só teve de ir no velório pra chorar. Um exemplo. "Eu confio em ti desconfiando, Joãozinho" - dizia para seu sobrinho-neto, já um famoso peralta dissimulado, embora não fosse páreo para a experiência dela, sempre dez passos na minha frente.
Já devo ter falado delas aqui, mas não vejo mal em repetir. Viveram no tempo da Segunda Guerra Mundial, logo não se espantariam com Gaza e Ucrânia. Acho que se assustariam, possivelmente, com a pandemia. A tia Nazinha, talvez, tivesse alguma memória da Gripe Espanhola, mas não lembro dela falando sobre. Olho pro São Francisco pendurado na parede, tem 111 anos ele. Lembro de quando o via no apartamento da madrinha em Porto Alegre, no quarto dela. Agora tá na minha sala, e o quadro de debutante no corredor.
Ajudaram muita gente de suas famílias as duas, foram o braço a amparar muitos em momentos difíceis, de muita necessidade. O amor não encontra barreiras ou limites, no espaço ou no tempo. Infelizmente, o ódio também não.