Eu, “educadora”, comigo mesma
Sempre gostei de escrever, e nesses anos de existência tenho escrito tantas coisas. Às vezes, me surpreendo gostando do que escrevi. Este texto pode ser mais um deles, e espero no mínimo aliviar o estresse deste dia.
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Tornei-me professora por falta de opção. Na minha cidadezinha, no interior de São Paulo, há 47 anos, não havia outro curso a ser oferecido, a não ser o de Magistério. Ao final do mesmo, estava apaixonada e convicta que professora seria a profissão que me realizaria.
Ao concluir o curso, exibia como trunfo, e mostrava com orgulho, o “meu caderno” de modelos de desenhos para serem usados nas datas comemorativas da escola (dia das mães, pais, folclore, festa junina,...). De tanto serem usados como modelos, a cada cópia feita os personagens iam perdendo os traços. O saci, coitado, quase estava perdendo a única perna que tinha... Ah! Mas na última página do caderno, estava o incentivo da professora de Didática, Dona Walderez: “Parabéns, você está pronta para enfrentar a sala de aula!''.
E eu acreditei! Coitados, dos meus inocentes alunos. Primeira classe, uma primeira série. Páginas e páginas de cópias de famílias silábicas. Ca do camelo, que jamais viram, nem mesmo pela televisão. Que orgulho sentia, me vendo usar a mesma cartilha pela qual tinha me alfabetizado.
Foram alguns anos assim, subtraindo das colegas mais velhas e experientes o exemplo de professora que queria ser.
Depois de dez anos de Magistério, me efetivei numa escola rural multisseriada. Sem água, sem luz, sem banheiro, sem livros. Na sala de aula, 20 carteiras conjugadas (velhas, sobras de outras unidades), sentavam de três, alunos de 07 a 14 anos, de 1ª à 4ª séries.
Algumas carteiras ficaram vazias, os alunos agrupavam-se nas primeiras carteiras para estarem bem próximos da professora. Olhos brilhantes, ávidos pelas histórias que eu lia, bebiam do prazer da leitura, dos contos de fada, dos fatos da História do Brasil, de fatos científicos. E a paixão pela Matemática? Queriam contas cada vez maiores.
Todos filhos de oleiros, levantavam junto com os pais às três horas da manhã para enfornar os tijolos que seriam queimados. No frio da madrugada, também com seus pais, conheceram o mundo do álcool. Mas às sete horas estavam lá me esperando na estrada, no ponto de ônibus. A cada porteira, os Adilson, as Célias, o Cristiano, a Valdete, o Edinho, a Vânia , a Aurora, o Valdinei, o Paulo, iam engrossando o “bando”, e como um bando de pássaros barulhentos me arrastavam para a sala.
Me desconstruiram! Naquela falta de recursos, busquei os mais variados apoios. E aquela pobre salinha de aula rural foi ganhando vida, se enchendo de revistas velhas, jogos, livros, livros, livros. Virei aprendiz!
Ainda hoje, depois de diversos cargos assumidos na minha profissão, continuo uma eterna aprendente, juro que ainda nada sei.
Acredito ter experimentado ao longo da minha carreira, as diversas tendências pedagógicas. Em cada uma devo ter praticado bobagens e colhido resultados positivos, formei cidadãos e fui me aperfeiçoando como educadora. O meu “eu” educador, a minha paixão pela educação me move ainda em busca de fundamentação teórica, o meu porquê ainda não está completamente respondido.
A cada dia há sempre um novo questionamento... nova resposta ... nova pergunta.
As "maluquices'' cometidas, ao longo da carreira, respondiam os desafios em atendimento a cada turma, a cada cargo assumido. Com colegas, iguais a mim, criei coragem para desconstruir um currículo ultrapassado para as novas expectativas e necessidades dos alunos.
Hoje, com todos os problemas de educação com os quais convivemos, me guio em Carl Rogers e defendo que a escola tem o papel fundamental na formação de atitudes, e deve assumir a sua responsabilidade no tratamento dos aspectos educacionais.
Como Dewey, como Montessori e outros educadores, acredito e busco uma escola ativa, na qual o aluno tenha estímulo à reflexão, participe, ache sentido no que está estudando.
Com Dermeval Saviani e outros educadores da mesma linha, acredito que não podemos fugir também da pedagogia crítico-social dos conteúdos, da valorização da escola como instrumento da apropriação do saber, que garante a participação do aluno e democratiza o ensino.
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Quem sou, agora?
Uma professora aposentada, que saiu da escola, mas a escola "não saiu de dentro de mim!”
Escrito em 2003 - Editado 2021