Tatuagem
Aos trinta e nove anos, com quatro filhos criados, dois casamentos que se não haviam sido dois completos fracassos, estavam bem perto disso e enfim experimentando prazeres que nunca havia se permitido antes. Muito por medo do que iriam pensar, embora se achasse muito bem resolvida. Prestes a completar quatro décadas de vida, Clarissa decidiu que após perder as contas de quantas tatuagens havia em seu corpo, estava no momento certo para fazer o que sempre sonhou, tatuar o seu rosto.
Seu rosto lindo, que apesar do avanço da idade e as marcas que o tempo insistia em deixar, por mais cuidados que tivesse, continuava encantador e atraente. Isso não era segredo e nem surpresa para ninguém, inclusive ela, que percebeu desde nova o quanto a beleza era tida como uma benção por todos. Algo que ela devia agradecer. E que lhe abriria muitas portas.
– Benza a Deus, que beleza essa menina.
– Que rosto lindo.
– Que sorte a sua, viu?
Essas eram algumas frases que foi se habituando a ouvir. Conforme ia crescendo, foi percebendo que sua beleza não era motivo de elogio só das pessoas que ela gostava. Alguns velhos com tara nos olhos, homens predadores atrás de jovens, mulheres de meia idade já sem o mesmo brilho, meninas desprovidas de tal qualidade e com inveja da mesma. Apesar disso, não era de baixar a cabeça. Continuava certa de sua beleza e que apesar de alguns desses contratempos, ela continuava sendo exclusivamente sua. Nada que pudesse ser compartilhado e admirado sem sua autorização ou vontade. Então apesar de muitas pessoas dispostas a tudo e ávidas por escolhê-la, ela sempre escolheu, quem queria e como queria.
E suas escolhas sempre foram motivo de estranhamento. Por que uma pessoa tão linda escolhia pessoas de estética aparentemente duvidosa? Que fugiam muito do padrão, do qual ela fazia parte? Sua beleza já a encantava tanto e trazia tantos benefícios, que ela costumava observar outras qualidades nas pessoas, o espelho lhe bastava, como narciso encantado com a própria imagem, porém disposta a compreender que haviam outras qualidades que podiam ser encontradas no outro, muitas que ela julgava não possuir. Então desta forma acabava sendo uma troca favorável, julgava ela. Beleza por humildade por exemplo. Gostava de pessoas humildes e gentis em sua essência, pois nunca precisou utilizar dessas características, já que muitos se permitiam conviver com alguns de seus abusos só para ter um pouco daquela aparência por perto.
Com o tempo, sem perceber, essa imposição e encantamento alheio foi provocando uma revolta interna. Ela sabia que era bonita, era algo que chegava antes. Antes dos seus pensamentos, antes que pudesse falar, antes dos seus erros e acertos, antes de sua personalidade, seu charme, seu sorriso tímido, seus olhos em chamas, sua vontade tremenda, seu amor exagerado, as pessoas preferiam seu rosto de boneca. Mas ela tinha vida, muito além daquela estética.
Então, ela procurou um estúdio de tatuagem. Escolheu os desenhos, cada um em uma das maçãs do rosto protuberantes e duas frases em cima de cada sobrancelha. Enfim, ela sacramentava o quanto era dona de seu rosto, e que sua beleza era única e inalienável.
No início houve o espanto, depois criticas e, por fim, resignação das pessoas admiradas o quanto ela continuava linda.
– Mulher, porque você fez isso, você é tão bonita
_ Continua linda, essas tatuagens que estragam.
– Tira isso do rosto.
Ela dava de ombros e quando julgava necessário apenas respondia orgulhosa, porque eu quis, o rosto é meu.