FEIRAS LIVRES
Despertei, mas ainda tinha em mente um passeio pelas feiras livres da minha infância, em meio aquela diversidade de formas, cores, sabores e aromas que só mesmo uma atividade de forte tradição de rua, pode propiciar àqueles que se permitem usufruir dessa mistura de classes sociais, ofertas generosas e porque não, de um marketing emocional degustativo.
Para ter uma referência, basta a simples comparação com os pretensamente assépticos e refrigerados ambiente dos supermercados ou mesmo os mais atuais hortifrutis. Locais onde produtos ficam praticamente inertes em suas gôndolas, sem ter espaço para exalar suas propriedades visuais, olfativas e degustativas, além daquele algo mais que a sabedoria popular agrega a cada um desses frutos.
Desde muito pequeno acompanhava meu pai na feira, e claro, estar acompanhado de um adulto era passaporte para provar pelo menos uma fruta por barraca, onde feirantes ofereciam prova concreta dos produtos, claro que acompanhado dos incessantes apelos em tom alto, louvando a qualidade dos seus produtos, para assim atrair freguesia.
Frutas no passado sofriam restrição de época, exceção feita àquelas tipicamente tropicais como: banana, mamão e laranja, que, aliás, eram as consumidas lá em casa. Outras como uva, pêra, maçã ou ameixa apenas na época, estas vinham embaladas em vistosas embalagens, mas faziam apenas parte do campo dos sonhos.
Quem diria que esta atividade de utilidade pública passaria a ser considerada retrógrada. Ela que sempre infernizou a vida dos moradores onde se estabelecia, mas hoje em função da dependência que pessoas destinam a automóveis, ruas de feira, podem chegar mesmo a depreciar o valor de um imóvel.
Nesse fatídico dia da semana, seu carro dormirá em outra rua e você provavelmente despertará junto com galináceos, pois a algazarra na montagem das barracas e o interminável desembarque de mercadorias vão triturar seu sono, e não adianta reclamar, a atividade é regularizada pela prefeitura.
Para muita gente essa atividade já deveria ter sido extinta, pois existe nos bairro infraestrutura suficiente para atender a demanda, e, além disso, exige da Comlurb um trabalho de limpeza excepcional, pois não basta recolher restos orgânicos, fortes odores das peixarias ou mesmo dos restos de penosas deixam no ambiente, aquela forte lembrança da barraca ali instalada.
É nebulosa a origem das feiras-livres nas grandes cidades, alguns pesquisadores afirmam que desde 500 a.C. essa atividade já se fazia comum no Oriente Médio, outros que surgiram na Idade Média associadas às festividades religiosas.
Durante séculos, religião e comércio tinham ligação umbilical, a palavra "feria" (latim) significa "dia santo" ou "feriado". Essas reuniões em lugares públicos, para compra e venda de produtos, logo fez crescer o olho do poder público, que com a desculpa de disciplinar atividades, encontrou um fato gerador para cobrança de imposto.
Na cidade do Rio de Janeiro, feiras são montadas desde a época colonial. Mas apenas em 1711, o Marquês de Lavradio as oficializou. Já feiras livres datam de 1904, quando o então prefeito Pereira Passos, aquele do “bota abaixo” assinou decreto instituindo novo modelo de abastecimento alimentar, para o então precário comércio de hortifrutigranjeiros no município.
A capital fluminense conta hoje com 170 feiras livres, como seria esperado, domingo é o dia com maior número de feiras, seguido de sábado. A quantidade de barracas por feira é função direta do espaço destinado, a frequência de público, e o poder aquisitivo dos moradores.
Uma feira livre em Ipanema tem profundas diferenças, se comparada a uma de Santa Teresa, que por sua vez diferirá de uma na Pavuna. Em Ipanema, a alta densidade demográfica, associada à renda média exigirá mais barracas e maior qualidade e variedade de produtos oferecidos. Oposto do periférico bairro da zona norte, que convive com baixa densidade populacional e rendimentos domiciliares baixos. O bairro de Santa Teresa consegue conviver com diversidade social, com renda razoável e baixa densidade no tecido formal, em contraposição às áreas informais do bairro, que misturam baixa renda e alta densidade demográfica.
Fui frequentador de muitas feiras, à medida que mudava de bairro, entre outras coisas, trocava também de feira. Posso apontar duas mais interessantes, por suas dimensões e variedade de produtos oferecidos, a do Grajaú e a da Glória. Em ambos os casos, além das compras semanais, ficavam à disposição quitutes que iam da tapioca recheada com uma infinidade de recheios, a sucos naturais variados. Flores e plantas de grande variedade, pequenos acessórios de cozinha, como raladores especiais e cortadores super especiais para tubérculos.
Porém, o mais importante, tratava-se do respeito mútuo entre feirantes e clientes. Muitas vezes o vendedor de laranja ou de banana, se negou a me vender seus produtos, pois sabia do meu nível de exigência, e não queria perder o freguês.
Se no passado, boa parte das mercadorias expostas tinham origem em sítios da zona rural carioca, hoje praticamente tudo negociado vem da Central de Abastecimento S.A. – CEASA, porém com um belo diferencial, feirantes conhecem muito bem o produto que trabalham, portanto, conseguem selecionar o melhor naquele mar de ofertas dos galpões ali do Irajá. Estes diferem em muito daqueles disponibilizados por supermercados, que não passam por esse minucioso critério de seleção, pois compram no atacado, sem ter espaço/tempo para detalhar escolhas durante a negociação.
Quando se constrói essa relação de fidelidade com alguns feirantes, você passa receber um tratamento vip, muitas vezes ao chegar a uma dessas barracas, minha sacola estava pronta, e o feirante me servia tudo que ele já tinha selecionado, bastava trocar umas poucas palavras e pagar. Afinal, todo mundo gosta de receber tratamento personalizado.
Quando minha mãe passou a ser minha vizinha, começamos a fazer a feira juntos, aí foi uma festa, pois ela, que já gostava de papear, acabou encontrando nos meus feirantes habituais uma relação de amizade sólida, quando eu não podia levá-la por algum motivo, eles mandavam entregar em casa a feira dela.
Depois da mudança para Laranjeiras, não sei bem explicar o porquê, mas encerrei meu ciclo de frequentador assíduo da feira, passando a usar um hortifruti do bairro, que me oferece estacionamento, qualidade e rapidez.
Volto à feira agora, apenas quando resolvo fazer um peixe fresco.