O ABISMO DE TODOS OS DIAS.

— Bom dia seu Izidoro, como foi no trabalho hoje?

— Bom dia Germano, foi cansativo, trabalho pesado, correndo de um lado a outro sem parar para nada. O chefe na orelha, "Faça isso, e aquilo, e aquilo outro também, não acabou ainda". Quando é para sair uma promoção é sempre o preguiçoso quem ganha, o que menos corre, o que mais enrola. Parece que o valor mesmo é quem não faz nada. Izidoro faça isso, Izidoro faça aquilo, e mais isso… E a lista que nunca tem fim. O serviço não acaba, quanto mais faz é tanto mais que aparece, quanto mais capricha menos valor você tem, é um inferno todos os dias, dez horas de trabalho diário, de sete horas a oito seguidas, sem parar para o almoço, quando bem, é cinco minutos para um café e olhe lá, engolido às pressas. Semana passada nem café teve, reclamar é besteira. Quantas vezes a Nilda reclamou e olha o que aconteceu com ela… Mulher trabalhadeira como aquela é difícil de encontrar, nunca reclamou, não chegava atrasada, nunca trouxe atestado, mas, para o chefe ela é reclamona, desmotivadora, veja que absurdo… A pessoa reivindica o próprio direito e ainda sai por ruim na história. Por esse e outros motivos que não vale a pena reclamar, é preferível ficar quieto, na sua, só escutando. Everaldo é que tá certo nunca falando nada nas reuniões, vou passar a fazer que nem ele, de hoje em diante vou ficar pianinho nas reuniões.

— Pelo visto, não mudou nada por lá...

— A vida parece que perdeu o sentido nesse lugar, às coisas não são mais as mesmas, antigamente, por mais duro que fosse o trabalho, ainda sim era mais fácil do que essa cobrança besta de hoje em dia. Em tudo tem defeito, ninguém move um dedo para fazer nada por você, só critica o que você está fazendo, põe defeito em cima de defeito. Ah! Olha que isso tem aos montes. Me cansei dessa vida de sofrimento…

— Eu sei como é, já passei por esse caminho amargo antes.

— Bom mesmo era o tempo de criança na fazenda, ô saudade rapaz, que tempo bom… Se desse para voltar atrás, que pena que não dá, águas passadas não movem moinho como se diz por aí. Amanhã tem outra reunião, e pode ter certeza que vem mais cobrança. É absurdo o tanto que essa empresa lucrou nesses últimos meses, vendeu a rodo, batemos todas as metas. O que mais me chateia é saber que sou apenas um número sem valor, colocam uma frase dizendo que você faz toda a diferença… Me diga, que diferença é essa? Só se for para enriquecer ainda mais o bolso do patrão, de resto, nada faz diferença, acham defeito em tudo, ficam procurando pelo em ovo. O salário não aumenta já faz uns dois anos, o PLR é pendurado a mil e uma meta, que, aliás, ninguém nunca alcança. Eu me sinto à beira do abismo todos os dias. Bem que o Carlão me disse que aqui nada vale a pena e que mais cedo ou tarde todos desanimam. O Japonês é um bom exemplo, quer um cara mais trabalhador do que ele, mais conhecedor do processo da empresa que nem ele, no mínimo era para ser o líder, no fim das contas, pisaram tanto no coitado que acabou desanimado, pedindo para sair, e olha que deu trabalho até que o chefe resolveu demiti-lo. Quer saber de uma coisa… De hoje em diante vou fazer só o meu, que se exploda o setor meta e tudo mais. Vou fazer o meu, cumprir as minhas horas e cair fora. Nesse lugar ninguém consegue ser bom o tempo todo, você sempre é levado ao caos, as suas próprias ruínas a todo instante. Desculpe pelo desabafo amigo… Perdoe, sei que você compreende agora, sei que você também já deve ter passado por situações bem parecidas, eu sei que já. Eu vou ficando por aqui, quem sabe na próxima eu te conto mais, é cada coisa cabeluda que acontece naquele lugar, meu amigo! Da próxima vez conversamos mais, tenho que ir agora, outra hora te coloco à par de tudo…

— Tudo bem seu Izidoro... Tudo bem... Foi um prazer te ver novamente, qualquer coisa, estou sempre por aqui, até mais ver.

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 12/11/2023
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