A PRIMEIRA VEZ(*)
O cenário era a Capital da República. Um apartamento aconchegante localizado na asa leste iria servir de palco para um reencontro de duas amigas de infância. Ali residia Clarice. Ela raramente recebia visitas de amigos ou qualquer outra pessoa para pernoitar ou passar férias. Era nascida em uma pequena cidade do interior, onde fora criada ao redor de outras moças casadouras. Sua genitora falecera quando ainda precisava de cuidados juvenis. Agora, casada com um empresário bem sucedido - “um bom partido”, podia desfrutar de uma vida razoável e receber, de quando em vez, suas amigas para um bate papo informal.
Era num ano de muitas turbulências políticas, quando uma prima de Clarice demonstrou o desejo de passar alguns dias na capital para conhecer as belezas do Planalto Central. Comunicaram-se e obviamente fora convidada a instalar-se no apartamento de sua parenta. Chamava-se Luana. Também casada, morena, muito falante, desinibida, boa educação e formação intelectual. Após instalar no quarto de hóspede começaram a lembrar dos tempos juvenis e das amigas em sua pequena e progressista urbe. Demonstrando uma alegria saudosa, rememoravam namoricos nas “horas dançantes” em casa de amigas e também das “paqueras” dos finais de tarde, nas calçadas das ruas próximas de onde moravam. Luana contava detalhes de sua vida de casada, que não era das melhores. Falava-se de fofocas e comentavam fuxicos. Sabia de tudo que se passava em sua rua, em seu bairro e em sua cidade. O assunto predileto era aquele que envolvia “traição”.
Luana já estava uma semana na casa de sua prima, sempre procurando colocar o “papo em dia” e matar saudades. No vai e vem das conversas confessou que gostaria de tentar ver um ex-namorado dos tempos de solteira, que sabia ser assessor de um parlamentar mineiro. “Alguém” muito especial. Seria um “sonho” a ser mantido em segredo, pois era casada. Deveria ser um assunto proibido, especialmente na presença de pessoas estranhas e das conhecidas fofoqueiras.
Através do telefone Luana fez o contato. Após troca de amabilidades, marcaram um encontro. Deixando trasbordar felicidade, chegara o esperado momento. Luana “se produziu” de acordo com a ocasião. Banho demorado, sabonete com perfume de jasmim e toalha felpuda, para não arranhar sua pele morena. O êxtase estava estampado em seu rosto.
Era a primeira vez que fazia uma “pequena” traição. Afinal seu marido também a traia, meditava. Seu coração, cada vez mais, aumentava a pulsação. Parecia querer pular para fora do peito. Vestiu sua melhor roupa. Sapato salto alto para aumentar seu tamanho. Pouca maquiagem para não parecer “perua”.
Tinha certeza que causaria boa impressão. Queria seduzir pela mulher que era. Exuberante, firme no olhar, altiva, personalidade forte e decidida. Em fim, uma mulher para ser desejada. Usou um perfume divino, maravilhoso e embriagador. Pela última vez olhou no espelho. Estava deslumbrante.
Foi ao desejado e esperado encontro em que lembraria os tempos de juventude. Em momento algum pensou em “retribuir” a traição ao seu “querido” marido. Queria uma aventura fugaz, mas esplêndida. Seu coração parecia engolir seco à medida que o tempo passava. Pensamentos mil dominavam o seu cérebro fazendo com que a adrenalina aflorasse à pele. Como seria? Perguntava a si mesma. Seria ainda capaz de demonstrar amor? Respondia afirmativamente ofegante e ao mesmo tempo trêmula. Assustou-se quando um possante carro parou ao lado de onde estava. Era ele. Um homem “charmoso” – balbuciou em para si. Parecia ter uma personalidade marcante. Também pudera, não era mais o jovem inconseqüente de ontem, pensou.
O terno sóbrio delineava a postura máscula de seu ex-namorado. Forte, barba bem feita e um perfume próprio de “um macho viril”. Ele reparou a fêmea em lascivo pensamento. Cumprimentaram-se amavelmente. Ela entrou no carro e ele calmamente dirigiu-se à saída do bairro. Sempre gentil, convidou-a a ir a um restaurante que conhecia, onde poderiam conversar sem ser molestados.
Lembranças... finos “tira-gostos”... vinho... e ao ser abençoados por Afrodite, imaginaram estar sendo levados por um arcanjo celestial. Quando acordaram estavam na alcova de uma suíte presidencial de um “flat” majestoso ainda arfando desejo. Era bom demais para uma mulher do interior, esquecida do mundo real. Estava num mundo dos “deuses” do Olimpo, servindo do manjar celestial... Foi uma tarde maravilhosa...
Luana pode afinal se sentir mulher. Uma fêmea que no íntimo, pensava não poder ser. Saciada, retornou certa de que pelo menos uma vez havia sido feliz. Teria outro encontro? Não podia pensar porque ainda estava em êxtase embriagador. Se fosse um sonho não queria acordar. Trocou confidências com Clarice numa alegria contagiante. Ficara realmente deslumbrada. Terminada a semana voltou à sua cidade. Estava realizada. Era só manter o segredo. O resto... Era só felicidade. A partir daquele dia tinha um só pensamento. Repetir do manjar. Mas se repetiu, não disse nem para sua prima. Só Deus ficou sabendo.
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(*) O autor é Professor de Língua Portuguesa, Literatura e produção de textos.
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