A VESTAL DESEJADA(*)

Megera, homicida, maquiavélica, crápula, víbora e adúltera eram alguns dos muitos dos adjetivos que os mancebos moderninhos daquela cidade próxima à Capital do Estado desdenhavam para esconder um desejo d’alma não correspondido. Delatavam e inventavam ações contra Ariane, uma fogosa moça, que andava pela cidade esbanjando saúde, num requebrar alucinante que invejava a todas as moçoilas que nas tardes-noites, iam participar dos cultos religiosos do Pastor Jeremias, na pequena sala-igreja evangélica na conhecida praça da paquera.

Agora, era apontada como provável assassina do seu marido.

Ariane era realmente seu nome de batismo. Desde criança sua beleza despertava especial atenção. Tivera uma infância invejável, cheia de mimos e início de uma juventude rebelde como de muitos seus amigos da época. Mais tarde, aos quinze aninhos, passara a ser educada pelos severos e ortodoxos avós maternos. Sua genitora, ainda quando jovem, linda e pertinaz, antecipadamente fora chamada para conhecer o reino dos céus, durante uma efusiva e entusiasta noite de luzes, vinho e amor. Na quimera das lembranças, do encantamento e do sonho, ela sentia-se bem perto de sua mãezinha querida e enxergava-a nos arredores do Olímpo em companhia de Baco. Mas isto seria uma outra estória.

A jovem, sabendo ser bela, agia com um ar de petulância à imitação de sua falecida mãe. Agora, em seus vinte e nove anos de uma vida sempre movimentada, via-se sentada em uma cadeira dura, numa sala esfumaçada de uma delegacia de polícia. Estava sendo inquirida em oitiva por um escrivão pela suspeita de assassinar seu invejado companheiro de alcova. Respondia os questionamentos sem se vexar, de maneira altiva e sem medo. Ao delegado afirmava desconhecer os motivos que levara alguém cometer aquele ato insano, uma vez que seu “marido” era exemplo para qualquer cidadão de bem.

A inteligência da moça, miscigenada a sua meiguice tentadora, embasbacava os presentes na pequena sala. O seu constante cruzar de pernas à frente dos homens da lei, lembravam cenas marcantes de um famoso e recente filme. Nos corredores acotuvelavam-se jornalistas ávidos em notícias bombásticas. Repórteres de rádio e televisão procuravam “furo de reportagem”. Os “paparazzos” e fofoqueiros queriam ver, fotografar e sentir o perfume, da agora conhecida como, “vestal”.

A saída da encantadora morena da delegacia de polícia fora protegida por um amigo especial. Um moço de estatura mediana, porém magro, de postura e compostura elegantes, cútis pueril do índio descrito por Alencar. Seus atributos físicos davam ar de força e presença. Demonstrava um carinho disfarçado, de um animal dócil para ela e de um verdugo feroz para os curiosos. Os dias passaram céleres e a polícia não conseguira indiciar o autor do delito.

Dúvidas e suspeitas, mas nada de concreto. Teria sido um crime perfeito? Más línguas começaram a jogar ensaios sobre aquele “amigo especial” que a protegera à saída da delegacia. Afinal, quem era ele? Descobriram tratar-se de uma alta patente da Força Policial do Estado. Era amante de Ariane. E como não se poderia deixar de indicar autores do pecado, imputou-o ao cupido. O moço, diziam: “envolvera-se com a megera - a víbora do mal”. Poderia ser o co-autor.

A lei exigira provas. Ninguém as conseguira. Nem flagrante de um provável coito puderam apresentar como prova circunstancial de adultério, porque o “amigo” conhecia a lei e a jurisprudência. De pronto apresentou sua defesa usando um provérbio latino: “Nu com nua, só com só, no mesmo leito”. E ainda adiantara ao Delegado e, em indireta ao Juiz, a aplicação do brocado: “in dúbio pro reo”.

O tempo passou e, a “vestal” que conseguira receber uma polpuda herança e pensão deixada pelo antigo amor, fazia viagens constantes ao lado de seu “protetor”. Ela também era sempre vista, linda e garbosa, desfilando pelos shoppings da Capital, agora, sob o olhar penetrante de outros “cupidos”.

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(*) O autor é bacharel em Letras, formado pela UNIPAC - Universidade Presidente Antônio Carlos.

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