Hipnose de imersão
- Sente-se. Relaxe. Procure esquecer tudo. Tudo o que o sono vai sugerindo quer se repetir de olhos abertos. O sono perfeito é a herança de uma gestação. Com estas palavras a doutora Mara Z. solicitou que fechasse os olhos defronte dela.
- Você está sentindo um peso nos braços...
- Não, não estou. Respondi convicto. Sua expressão era temperada de um império, mas persuasão não é o meu fraco. Minha hipnotizadora possuía atributos mais suaves do que o simples esquecimento. Se queria ser hipnotizado de verdade deveria ter procurado o Mascarenhas, feio e sério. Sem ir tão longe estava numa posição incômoda. Perguntei se podia assistir televisão. Ela riu quebrando a magia da fusão indescritível preterida.
- E agora?
- Você deve cair no intervalo da sonolência.
- Onde fica?
- O pulso diminui a freqüência.
Com olhos tão lindos a freqüência aumentava. Seria difícil sair da cilada. Poderia ter visitado um parque de diversões, daria no mesmo. Agora estava ali procurando manter o respeito, pelo menos o respeito. Seus modos continham firmeza e convicção. Talvez em doença grave me deixasse levar pelo tratamento. Não era o caso. Estava bem. Apenas havia saído para passear na quinta-feira quando ao contrário de entrar no bar do Almeida avistei a placa: doutora Mara Z. Hipnose. Resolvi experimentar.
- Quem sabe se a senhora usar clorofórmio...
- É contra os meus princípios.
Fazia calor e seu corpo agia sobre mim como cloroformização completa. Ela se aproximava cada vez mais. Podia sentir o seu perfume de jasmim e iniciei a mentir para mim mesmo que estava sendo levado ao ponto da atividade anestésica, inteiro e voltado ao plano sensível da poesia lendária do sono natural. Ela chegou pertinho do meu ouvido acreditando na pessoa adormecida em poucos minutos. Queria saber o que eu estava vendo.
- Estou vendo alguém. Uma senhora idêntica a você. Ela sorriu. Pronto! Está me fazendo cair em hipnose compulsória. Declarei. Para suavizar o momento. Disse:
- Tenho uma hérnia. Menti.
- Dói?
- Ao extremo, mas está passando. Ela havia dito que fizera mais de mil anestesiações com o seu processo infalível.
- É o que eu quero, afirmei.
- É o que você quer. Procure continuar dizendo, dizendo: “é o que você quer!”. Esqueça qualquer lembrança penosa...
Tive vontade de lhe contar um fato sobre almoço com galinha caipira na ceia de natal. Evitei. Isso liquidaria a sessão.
Aos poucos imerso em seu vestido vermelho na pele morena bronzeada confessei meu estado de pobre criatura ignorante de inibições. Submetido aos encantos, sem divergências, sem inteligência crítica, livre de qualquer idéia obsedante aceitei a sugestão. Estava disposto a permitir a sua alegria de Mara Z e reintegrar a minha euforia a caminho do botequim do Almeida. Entraria para a lista dos tratados, curados, melhorados com sucesso da sua agenda lotada. Estava certo: O sono perfeito é a herança de uma gestação. A busca de algo ilusório na qual eu havia dado apenas o nome crédulo de poesia.
Acordei do falso transe inexplicável. Sua felicidade foi tão expressiva que se eu sofresse de gota estaria curado. Havia nela algo de oculto, misterioso e sensacional.
Descobri que fingir alegria leva novamente a ela.