Nova Etapa

Após o convite para ir ao cinema, uma das filhas se aproxima e pede autorização para o passeio. O pai, num cinismo inacreditável, interpreta o clássico papel do sujeito que desconhece toda a tratativa que se desenrolou nos bastidores domésticos, até terminar enfim na última instância, ou melhor, já que não sou o órgão de cúpula, no órgão responsável pela liberação do papel moeda.

Seguiu-se o seguinte diálogo:

_Pai?

_Hã?

- Posso ir ao cinema com um amigo?

- Ué, filha, depende.

- Do quê?

- Bom, em primeiro lugar qual é o filme?

- É “Doutor Estranho 2”.

- Sei. Bom, quem vai dizer não sou eu.

- Como assim, pai?

- Ora, quem vai dizer se pode ou não é o Ministério da Justiça, órgão responsável pela divulgação da classificação indicativa. Entro no site nesse momento. Ela aguarda com apreensão. Digito o nome do filme e o site retorna que não é recomendável para menores de 14 anos.

- Aha! Aqui, ó! Tá vendo. Não é para menores de 14 anos, falo com notória empolgação. Simulo solidariedade e digo: filha, é complicado.

- Mas, pai... é só um filme de super-herói.

-Sei, filhota, mas não sou quem está dizendo é o Ministério da Justiça. Suspiro aliviado com a transferência de responsabilidade.

Bom, vamos conversar com mais calma depois, ok? Agora estou enrolado com o trabalho. Depois a gente se fala.

-Está bem, papai.

Esse momento seria inevitável. A verdade é que a gente nunca está preparado para a nova etapa. Obviamente, não sou eu quem vai impedir o progresso das coisas, afinal das contas é impossível impedir a evolução natural filhos. Acho que, na verdade, meu medo é que a lição do saudoso Gonzagão esteja completamente certa: “toda menina que enjoa da boneca, é sinal...”.