Vamos falar sobre relacionamento aberto?

Enquanto conversava com uns amigos o assunto relacionamento aberto virou pauta.

Meu primeiro contato com esse tipo de relação foi bem recente e durou bem pouco tempo.

Foi proposto por ela que não queria uma relação monogâmica para não se sentir privada da própria liberdade.

Voltando três-quatro meses atrás. 

Era 2 da madrugada se bem me lembro. Eu tinha acabado de sair do trabalho e juntos decidimos caminhar um pouco.

Já vinha acontecendo de sentirmos uma atração mútua. Naquele dia estávamos abrindo isso. 

Ouvi atentamente.

A ideia de uma relação aberta era estranha para mim, mas diante da minha realidade atarefada talvez, concluí, fosse uma alternativa interessante. 

Eu precisava de uma válvula de escape e naquele momento encontrei uma oportunidade. Concordei que seria um relacionamento aberto.

Também concordamos que o mesmo não duraria muito já que ela viajaria no final do ano.

Expliquei que estava disposto, mas que entendia que sendo uma relação aberta os ventos que ventassem para o lado dela também ventariam para o meu lado. 

Notei apreensão no olhar dela. Por breve momento achei que ela não gostou de ouvir aquilo ou não esperava aquela resposta.

Mas eu só estava reafirmando os termos ao concordar.

O tempo passou.

Noutra ocasião sentamos para fazer um lanche, era madrugada (infelizmente é sempre a madrugada), pedi um lanche pra gente enquanto olhava os poucos carros que circulavam pela agitada rua Voluntarios da Pátria, noutro momento refletia se havia a possibilidade da ponte acima de nós despencar em nossas cabeças. 

Conversa indo e vindo ela soltou que havia se relacionado com alguém.

A sensação ao ouvir aquilo foi a de colocarem um tubo de sucção na minha boca até o estômago. Me senti vazio por dentro e com a cabeça fora da área de cobertura.

Era uma sensação incômoda e eu estava sem ação.

Quase esqueci do hamburguer na minha mão. 

Fiquei olhando pra ela por segundos que pareceram horas tentando achar algo vivo dentro de mim. Ela me olhava muito apreensiva e até tensa.

Eu simplesmente não sou tão moderno.

Terminei a nossa relação naquela noite, pau da vida, mas sem reclamar com ela afinal eu topei essa loucura. Ela ficou frustrada mas disse que não se arrependia. Eu respondi que não havia do que se arrepender afinal eu concordei.

Passaram-se dias. No final de semana seguinte ela apareceu um pouco alterada de bebida. Disse que sentia minha falta e conversamos. Aquilo soou como uma mudança de paradigmas no horizonte. 

Reatamos. 

Esse episódio voltou a acontecer mais uma vez. De novo a sensação de estar entubado. De novo ela dizendo que não abre mão da liberdade.

A parte que eu não entendia é que ela parecia cada vez mais envolvida. Até mais do que eu estava. Uma amiga em comum disse que ela estava nervosa por gostar muito de mim. 

Ou seja, gostar de mim a fazia sentir-se vulnerável. Sempre dizia que me amava. Era muito carinhosa...

Manter a liberdade dela era a forma de dizer a si mesma que estava no controle da situação. 

Era uma relação estranha que só foi ficando mais estranha.

Um belo dia ela me me disse que tinha curiosidade de saber como ela reagiria se eu "ficasse" - no popular- com outra mulher.

Nada respondi porque mesmo estando numa relação aberta era complicado pra mim fazer algo que iria totalmente contra meus valores.

Sem querer desrespeitar quem faz, naturalmente, mas mesmo tendo essa liberdade, eu não a usava.

Conversei isso de ficar com outra pessoa com minha amiga que disse que eu poderia inventar essa pessoa.

"Inventa que ficou e vê como ela reage".

Minha amiga queria que a gente ficasse junto, mas assim como eu já vinha percebendo ela também via várias contradições nas atitudes da minha namorada:

Ela manifestava ciúmes das clientes que eu atendia. A imagem da mulher segura desaparecia completamente nesses momentos. Não foram muitos, mas nas poucas vezes que aconteceu a mudança de postura era visível.

Existe ciúmes num relacionamento aberto?

Nossa relação era aberta mas ela claramente demarcava o território. As pessoas a nossa volta viam que éramos um casal. Não tinha como não entenderem isso. Inclusive ela era assunto entre os conhecidos.

Comecei a sentir que isso de relação aberta não duraria muito.

Porém, diferente dela que estava sempre na minha área, eu nunca fui vê-la cantar no bar onde ela se apresentava. Ela dizia não querer que eu fosse.

Estranho, não?

E foi numa conversa despretensiosa que descobri que ninguém sabia da minha existência onde ela trabalhava.

Quando questionei isso ela disse que se eu quisesse ela diria. 

"Como assim se eu quiser você fará o que já devia ter feito?"

Ela ficou constrangida. Eu comecei a virar o Fidel Castro discursando.

Insisti na pergunta e acrescentei outros comentários como por exemplo ela não ter mencionado a ninguém que eu existo mesmo quando abordada por outras pessoas que frequentam aquele bar. 

Eu não entendia como o óbvio pareceu a ela algo irrelevante a ser mencionado.

A menos que...

Bom. E foi naquele momento que tudo fez sentido. A relação era aberta pra ela. Não deveria ser para mim.

E que melhor maneira de garantir as coisas desse jeito não deixando eu aparecer na área dela?

Se a relação fosse monogâmica estaria aí a prova cabal do chifre.

Mas nesse caso não era bem assim.

Ela estava garantindo que as pessoas chegariam até ela se tivessem interesse e ela escolheria alguém que a fizesse sentir-se atraída.

Uma vez que eu fosse uma figura conhecida esse fácil acesso a ela - quero dizer a possibilidade de aborda-la- seria prejudicado porque apenas os mais "caras de pau" chegariam numa mulher comprometida.

Daí ela sempre estar na minha área.

Ela conseguiu dar um jeito de fazer os ventos ventarem de maneiras diferentes para nós dois.

Se fazer vista comigo era o meio de garantir que poucas ou quase nulas seriam as probabilidades de alguém se aproximar de mim.

Quando a confrontação foi mais forte ela disse que não conseguiria abrir mão da própria liberdade.

Esse argumento já estava dando na minha paciência.

Porém nada mencionou quanto a minha liberdade.

E precisava? Depois de tudo ficar claro entendi que o relacionamento aberto era para ela se sentir no controle.

Meu último comentário naquela conversa foi questionar se era isso que eu deveria ter feito. Deveria ter respondido a quem me perguntasse que estava solteiro? Ou ainda que ela não passava de uma ficante? Era isso que eu deveria fazer?

A postura que ela assumira no ambiente de trabalho me fazia pensar que eu deveria fazer o mesmo.

Ela ficou sem ação. Ela realmente não sabia o que dizer e apenas repetia o dito antes: que se eu quisesse ela passaria a dizer.

Aquela altura já não fazia mais diferença pra mim se ela diria ou não. 

E tudo isso porque o medo de se sentir apegada ou envolvida a assustava.

Havia alguns ex e, como de praxe, traumas deixados por eles. Frutos cujas sementes nunca plantei.

Mas como mudar o pensamento de quem acha que aprendeu tudo?

Eu não podia e sinceramente nem queria. Há outra mulher no meu peito que até hoje é a dona de todo o amor que existe dentro de mim. Já ela era uma companhia muito querida, mas nem de longe a mulher com narizinho de batata que eu amo.

Terminamos e dessa vez sem a possibilidade de reatar. Porém sem mágoas ou manchas. Somos adultos. Tentamos. Não deu, paciência. Era o meu pensamento.

Nossa história acabaria de qualquer forma e nesse caso não foi nada ruim terminar.

Cansada de tentar trabalho aqui na cidade do Rio de Janeiro ela partiu para outro município onde várias coisas boas estão acontecendo. Fiquei realmente feliz por ela.

Quanto a mim sigo trabalhando, vivendo e escrevendo um pouco da minha vida nesse recanto.

John Raskólnikov
Enviado por John Raskólnikov em 10/11/2023
Reeditado em 11/11/2023
Código do texto: T7928987
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