BURGUESES INSENSíVEIS
Segundo Caldas Aulete, burguesia é a classe social ligada às atividades urbanas, formada por profissionais liberais e proprietários de negócios de comércio, indústria e finanças.
Aqui onde moro e mantenho, desde 2007, um projeto ambiental com cultivo de horta urbana, acontecem situações surreais. Ao meu projeto dei o nome de Micro Ecossistema, por causa de certas características incorporadas ao longo do tempo. Há os que se emocionam e elogiam, os que rejeitam e depredam, os que fingem que não veem e viram a cara, os que contribuem para a sua manutenção e os que apenas usufruem.
As pessoas são o de menos na maior parte do tempo da minha relação social e também com a terra, plantas e pequenos animais, que aqui se alimentam, polinizam e fazem do espaço sua moradia e local de reprodução.
Nasce daí o respeito ou o desprezo mútuo entre mim e certos transeuntes ou visitantes no dia a dia movimentado ao redor do espaço.
Hoje, por exemplo foi dia de desprezo de minha parte por alguns "burgueses", que vem deixar e buscar seus filhos e netos em uma das escolas mais caras da cidade, que fica ao lado.
Eu estava organizando a feirinha de plantas, quando uma moça da comunidade se aproximou com um pardalzinho bebê entre os dedos e me perguntou:
- Será que vamos conseguir ajudá-lo? Ele estava perdido ali na calçada. Ainda não voa, mas anda. Parece desgarrado da mãe.
Respondi: Como você vê, estou com o ombro fraturado, faço uso de tipoia e não posso me abaixar até o chão. Mas, claro, vamos ao interior do viveiro dar água para ele. Deve estar com sede.
De fato, estava.
"Vamos colocá-lo neste colchão de palha de arroz no tronco da árvore? A mãe verá e virá cuidar dele."
Assim fizemos.
Ele piava bem alto. A moça deu-se por satisfeita e foi embora. Eu fui terminar de organizar as plantas. Mas o passarinho resolveu sair caminhando rápido em direção ao asfalto novamente. Tentava, mas não conseguia voar. Saí atrás dele, para pegá-lo. Estava bem esperto e eu não conseguia me abaixar o suficiente para segurá-lo. Foi para debaixo dos veículos, de onde desciam os adolescentes da escola elitizada. Um dos veículos quase o atropelou. Gritei. Pedi ajuda aos estudantes e aos seus pais, que me olhavam confusos e aparentemente com medo de que eu estivesse criando uma situação para assaltá-los. Mostrei o passarinho. Pedi: "Por favor, pegue-o para mim. Preciso colocá-lo em um lugar seguro. "
Cerca de dez adultos e adolescentes já estavam se aglomerando ao redor do caso. Uma senhora elegante armou-se do celular e mandou para a mídia:
" Vejam! Estamos tentando salvar um passarinho.". Pensei: Que mentira!
Um homem jovem, mostrando suas mãos alvas, disse: " "Pássaro silvestre? Não pego. Pode ter alguma doença." Pensei: Vá se lascar!
Outro se aproximou com nojo do bebê pardal, pegou o animalzinho assustado e o atirou contra o cipreste da cerca viva do vizinho, como se fosse uma pedra "atrapalhando o trânsito" (chico buarque). Depois pediu o álcool gel à mulher e lambuzou com ele suas mãos.
Gritei: Que absurdo! Você o matou!
Não me deram atenção. Desfizeram a roda e foram provavelmente ao shopping, ao clube, ao café refinado.
Ao sol, que já estava alto àquela hora, desabafei: "Foram comer dinheiro".
Sozinha, com apenas um dos braços ativos, tentei localizar o filhote em meio àquele emaranhado de galhos, mas não consegui.
Bsb, 08/11/2023
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