Cascatear Centelhas
DEPOIS de uma crise forte de asma, após me medicar e fazer uma inalação, ainda tremendo mas respirando normalmente, fui pro meu cantinho e fiquei assuntando a maçaranduba do tempo, distante do noticiário. Lembrei de coisas do arco da velha, do tempo do ronca, quando ainda era adolescente e gostava de observar as chamadas celebridades da nossa acanhada mas tão querida terrinha.
Uma delas era um rábula (advogado não formado) que fazia discursos retumbantes nos júris. Lembro sua figura de boné à cabeça e cachecol no pescoço, capengando da perna direita, apoiado numa bengala, mas quando botava aquela capa preta no júri e fazia seus discursos retumbantes arrasava, impressionava e fascinava o público e os jurados, mesmo que eles não entendessem bem o significado das frases bombásticas. Uma que nunca esqueci: “Senhores, há momentos na vida que o homem precisa cascatear centelhas!”. Ninguém compreendeu mas todos intuíram que era algo muito importante, noutro júri, defendendo um réu que cometera um crime passional, depois de fazer uma explanação sobre as paixões que geram violenta emoção, ele mandou ver um verso de sua autoria: “Se tens no corpo um cemitério aberto/ Vamos fazer o enterro do pecado”. O vigário que estava presente e algumas beatas se retiram do recinto. O réu foi absolvido.
Que saudade do tempo que a gente cascateava centelhas. Saudade. William Porto. Inté.