As sandálias de Timóteo
Acácio Sérvulo de Miranda, filho de Joaquim e Olívia, nasceu em 1914. Tinha 12 anos, quando num domingo de Missões na pequenina cidade de Porangaba, ficou acertado por seu pai a sua ida ao seminário.
O pai deu o recado à mãe, que arrumasse “as coisa" porque o menino iria ser padre. Se Acácio participou da decisão não sei. Queria estudar, gostava de participar da igreja, isto era suficiente para fazer dele um candidato à vida religiosa.
Na mala de couro batido, duas mudas de roupa, uma botina nos pés, um rosário presenteado pela mãe. No corpo, uma calça curta com um suspensório para impedir que caísse por conta do corpo espichado pela idade. Um coraçãozinho com muitas indagações.
Final de domingo, família reunida., o pai recomenda: Dissesse o que quisesse aos irmãos, pois não tinha data para o retorno. Nada disse, levantou e buscou o estilingue , e pendurou no pescoço de um irmão companheiro constante das travessuras nos sítios.
1926, entrou para o seminário em São Paulo. Fez o noviciado em Piracicaba e tornou-se frade com 17 anos. Sua adolescência foi voltada para os estudos, para a oração e para uma vida contida no meio de religiosos adultos. Muito diferente da sua infância livre, no seio da família e entre seus irmãos. Livre pelas ruas empoeiradas da cidade, com seu embornalzinho cheio de pelotas para caçar passarinhos nas pastagens da vizinhança.
Ordenou-se frei com 23 anos, em 1938. Tornou-se Frei Timóteo Maria de Porangaba. Foi professor, pregador, confessor e professor em Piracicaba. Vigário em São Paulo. Missionário no Alto Solimões, no Amazonas. Sua vida missionária desbravou todo o interior paulista e a capital. Foi professor de Antropologia e jornalista formado em 1976, pela Faculdade de Comunicação Cásper Líbero.
Foi presença constante e curiosa nos corredores e bastidores da TV Gazetinha como consultor religioso e depois, oficialmente, na TV Gazeta.
Poeta e escritor, foi membro da Academia de Letras de Piracicaba. Seus poemas, quase todos voltados para a família e para as lembranças da sua terra natal, paixão que nunca deixou morrer em seu coração.
Nas visitas que fazia periodicamente à cidade fazia questão de visitar os parentes, comer com as mãos, contar histórias, rir por qualquer coisa, almoçar com os amigos, andar pelas ruas, parar para conversas demoradas e celebrar missas que não acabavam nunca. Havia quem fugisse dessas missas por conta de seus sermões.
Nos pés, sempre a mesma sandália humilde de franciscano. Sandálias que o trouxeram de volta para a sua terra tantas vezes, que o fizeram percorrer caminhos íngremes para dar conta de sua missão, que frequentaram ambientes requintados , mas não lhe tiraram a simplicidade da sua origem e vocação.
As marcas feitas pelo sol, entre as tiras das sandálias, eram contrastantes com a cor da pele das suas pernas, sempre protegidas pelo hábito vestido na sua adolescência. Em visita à casa de pessoas da família, em dias de muito calor, às vezes erguia o hábito até os joelhos para refrescar-se. E ele mesmo, gostava de fazer piada com o seu bronzeado.
Era apaixonado por política, circulava constantemente pela Câmara Legislativa Paulista onde era conhecido como “pidão”, em busca de fundos financeiros para as obras beneficentes. Com isso muitas obras puderam ser concluídas na cidade com a sua ajuda, entre elas, a Santa Casa local.
Doente e idoso, foi levado de volta para Piracicaba para tratamento. Faleceu em 2004, com 90 anos. Novamente, voltou para a sua terra, pelas mãos de pessoas estranhas. Foi devolvido ao seio familiar, onde descansa com seus pais e irmãos.
Foi muito querido entre todos os porangabenses, mas entre os Oliveiras e Mirandas foi um exemplo de dedicação e religiosidade. Como filho porangabense, deixou um legado que não pode ser esquecido.