EM BUSCA DE SENTIDO E LIBERDADE
Moacir José Sales Medrado[1]
Há cerca de 45 anos, em Porto Velho, no estado de Rondônia, eu tive a oportunidade de conhecer, na Embrapa, um jovem estagiário. Ele era cheio de sonhos e planos para o futuro, e nossas conversas após o expediente, regadas a cerveja, eram sempre profundas.
No entanto, um dia, ele desistiu do estágio e deixou para mim, na portaria da Embrapa, um escrito em que compartilhava, suas angústias e frustrações.
O texto começa com palavras do icônico Jim Morrison, que ecoam sentimentos de desespero e incerteza:
"Perdido num romano deserto de mágoas, com todas as crianças atacadas pela loucura... É o fim, amigo querido dos planos que fizemos. O fim de tudo que era firme, o fim, sem apelo ou surpresa, o fim..."
Essas palavras iniciais nos introduzem ao estado emocional do estagiário naquele momento. Logo após, ele escreve:
"Quando o mar tranquilo conspira armadura... A navegação tem como certa a morte terrível instante. E o primeiro animal é lançado para fora, patas com toda a fúria, devorando o próprio galope obstinado e verde."
Esses versos, cheios de simbolismo, sugerem uma sensação de aprisionamento e desespero que o estagiário sentia.
Ele continua desabafando:
"Estou aqui num bar tomando cerveja sozinho. Hoje é 7 de setembro. Esse país é uma bosta. Países não servem para nada. Só para guerras. Estou bastante deprimido, com vontade de cair fora daqui. Isso aqui é uma merda, meu relacionamento com meu pai é outra bosta. Nos fins de semana tenho enchido a cara. Sabe, eu acho que eles não deixaram muita escolha para nós. Nos ensinaram a sermos incorruptíveis, decentes e caíram fora. É a hipocrisia que nos cerca a todo momento. Essas nossas famílias burguesas não nos ensinaram a viver. A enfrentar esse mundo, cada vez pior. Idealismo se confunde com oportunidade, ou oportunismo político. Tudo acertado antes do jogo começar. Eu estou bastante deprimido mesmo. Ontem, cheguei bêbado no hotel e quando me deitei me veio aquela sensação de falta de perspectiva terrível."
As palavras amargas revelam a profunda decepção do estagiário com o mundo ao seu redor e as expectativas que lhe foram impostas. Ele critica a hipocrisia da sociedade, sua própria família e a falta de oportunidades.
E, por fim, ele expressa seu desejo de escapar:
"Por mim, já tinha ido. É que tem aquela coisa que aqui tem emprego fácil etc., etc. Também, mesmo com emprego, acho que eu não gostaria de viver aqui. Tem alguma coisa de podre aqui. Ou tudo. A cara das pessoas, o jeito das garotas, acho que esse lugar fez um pacto com o demônio. Não aguento mais ver a cara do meu pai. Tenho vontade de agredi-lo. Sair mandando a puta que o pariu. Me ensinou coisas, cortou, reprimiu e traiu seus próprios princípios. E eu sempre com aquele sentimento de culpa. Porra, deixei de ser eu por causa das malditas caretices dele. Podia estar por aí, tocando, representando. Fazendo alguma coisa que realmente gostasse. Mas não, fui estudando aos trancos e barrancos para contentá-lo. Acho que vou embora só pra mostrar que não gostei da situação. Esse mundo é muito pobre mesmo. E nós, criados na redoma do ambiente universitário e burguês. Tão longe da gritante realidade.
Esta carta, é um retrato cru da luta de um jovem para encontrar seu lugar no mundo, sua identidade e seu propósito. Fica claro que ele se sentia preso em um ciclo de expectativas e desilusões.
Apesar de não sabermos o que aconteceu com esse jovem, sua carta serve como um lembrete de que a jornada para a maturidade e autoconhecimento pode ser tumultuada. As palavras dele, escritas há tanto tempo, continuam a ecoar como um apelo para que os jovens não se deixem moldar por convenções e expectativas, mas sim busquem o que realmente lhes traz realização.
É uma história de desilusão, mas também de uma coragem inegável para desafiar o status quo. Talvez seja uma carta de um tempo passado, mas suas lições são atemporais.
[1] Nascido em Fortaleza, tendo morado em Rondônia de 1972 a 1992