De cotovelos nos muros da cidade eterna

(Parafraseando o poeta AMARildo José de Porangaba)

Estou aqui há um tempo. Não preciso controlar as horas, elas simplesmente vão passando independente de tudo. Sei que já ouviu muitas vezes e te fizeram acreditar que há vida após a morte. Pois ela existe e é plena. Pouco de mim ficou debaixo da lápide em que depositaram o meu corpo. Estou num lugar sem fronteiras, sem dores, sem opressão. Não morri para Deus, apenas transpus a porta que nos separa da vida terrena.

Aqui do alto observo tudo o que acontece nos lugares que fui erradicada. Acompanho os choros dos entes queridos transportando o corpo de um familiar ou amigo pela última vez. Quero dizer que não sofram além do normal para uma despedida. Muitos chegam aqui diariamente. Fazemos festa com a chegada de cada um.

Desço às vezes para o meu jazigo carnal, dali observo a cidade onde residiu os meus sonhos de menina e as tribulações da mulher que fui. Ela permanece estática fisicamente, mas em movimento em relação aos filhos que chegam e partem atemporalmente. Vejo as crianças brincando na Praça Matriz, ouço seus risos despreocupados e de mãos dadas correndo atrás de outras, num pega-pega de polícia e ladrão. O futuro para elas ainda é uma incógnita.

Os jovens, cabeças emboladas entre sonhos e amores, carregam mochilas com seus objetos escolares, num vai e vem entre o Grupo Escolar e o Ginásio. Não os queremos ainda por aqui. Precisam experimentar a juventude, alegrar seus pais e devolver à sua geração os dons que foram plantados nos seus genes ao nascerem para o mundo. Tenho pena de pais que se despedem de filhos jovens, não é essa a ordem natural da vida.

Ouço o repicar do sino da Matriz, chamando para a semeadura do Evangelho. As pessoas mais velhas se encaminham ordenadamente ao encontro Dele. Faltam os jovens e as crianças nessa caminhada; eles têm o direito de saciar- se também das palavras que alimentam o Espírito e nos trazem ao campo santo.

O repique das baterias das escolas de samba, não nos incomodam. Deixem que os foliões se divirtam e aplaudam a sua escola querida. Daqui sinto a alegria que me fez uma foliã travessa da Unidos da Vila, cortando a avenida da cidade, cantando o samba enredo do ano. Foram muitos os sambas que cantei durante a minha estadia na cidade sinfonia. Apenas, reforço que a alegria não combina com o uso de drogas e bebidas. Sejam contidos para não encurtar o tempo que foi lhes dado para viverem plenamente.

Não se aborreçam por coisas materiais, aqui não necessitamos de alqueires de terra, de dinheiro ou artigos de luxo. Não briguem por herança familiar. Nossos corpos ficam em sete palmos, não importando os bens que acumulamos na Terra. Os mais humildes e desprovidos de ganância têm uma viagem mais curta para chegar. Escolham bem como desejam seguir a caminhada.

Daqui, ficamos cuidando e olhando pelos nossos familiares na Terra, para que cheguem até aqui sem terem passado por sofrimentos desnecessários; vivam. No dia escolhido por Deus, estarei na porta para acolhê-los e encaminhá-los para diante da face do Senhor. Vou ajudar a preparar a festa santa que todos merecem nesta Vida Eterna !

Que assim seja💞

Estela Maria de Oliveira
Enviado por Estela Maria de Oliveira em 06/11/2023
Reeditado em 13/11/2023
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