Muitos olhos e poucas bocas
De repente me senti um ninguém. E não foi no meu quarto grande e escuro na calada da noite que tive essa epifania — não estava sozinho nem muito menos acompanhado. Estava rodeado de pessoas, mas ninguém estava comigo. Eu estava num lugar que muita gente frequenta, às vezes todos os dias, e encontra muita gente diferente. Às vezes, rolam diálogos como: “O dia hoje está bem ensolarado”, ou “A manhã foi muito chuvosa”, conversas rasas que não levam a lugar algum, apesar de eu estar em um local que me leva a algum lugar. Como eu disse, ninguém se interessa de verdade por ninguém.
Me sentei em um dos acentos e olhei para o lado de fora. Vi o mundo passar! As pessoas andavam com pressa, cada uma com suas vidas, surgiam de um lado e do outro, gente de todo o tipo. E ninguém ligava para ninguém. Um homem estava dançando todo contente do outro lado da rua — as pessoas passavam, olhavam, mas depois de um tempo, esqueciam. Tinha um senhor segurando sacos de laranja nas costas com muito esforço. Ninguém sabe nada da vida deste senhor. Ele poderia ser um médico, um pai de família, um ex-traficante ou um criminoso procurado pela polícia. Simplesmente o destino me fez encontrar com ele no mesmo horário e local, e eu nem faço ideia do porquê ele estar carregando aqueles sacos de laranja.
Há uma mulher que sempre, todos os dias no mesmo horário, vai para o mesmo lugar em que eu. Ela é uma loira falsa, daquelas que pintam o cabelo e não cuidam nem um pouco dele. Sua aparência, cansada, me mostra que talvez ela trabalhe na área da saúde, mas não tenho certeza, porque nossa conversa é essa:
— Que horas são? — Ela me questiona, com o olhar arregalado.
— São três e trinta. O ônibus está atrasado! — Eu respondo.
— Ele sempre é assim. Se dependemos dos outros, nós sempre seremos lesados. Estou economizando porque preciso pagar a cirurgia do meu cachorro. Deixei o carro de lado desta vez. E você, tem outro meio de transporte?
— Sim! Tenho sim. A bicicleta. Só que hoje, o pneu estava furado. Não tive tempo de mandar para a bicicletaria, e tive que ir de ônibus. — Do jeito que conversávamos, parecia que era a primeira vez que nos encontravamos, mas na verdade, já a vejo no ônibus há um mês todos os dias.
— Para onde você vai? — Ela questionou, pela primeira vez, fugindo da parte da conversa rasa. Seria a primeira oportunidade de eu conhecer um pouco mais da mulher e ela um pouco de mim. Porém, o motorista acelerou o ônibus, e ela se desequilibrou. Suas coisas caíram, tentei ajudá-la a pegar, e o seu ponto chegou. Foi-se embora, deixando para trás apenas um papel, com o seu nome “Micaeli” escrito em uma cartolina. A mulher, na realidade, era uma professora. E esquecera uma das atividades de seus alunos. Tentei chamá-la, mas era em vão. Ninguém do ônibus se manifestou. Todos sentiam medo, apreensão, vergonha. Todos ligam para o que os outros pensam. Ninguém esboçou reação, imaginando a reação do outro, no que o outro vai pensar. Logo, gritei sozinho por quase um minuto, o nome “Micaeli!”.
Na volta, peguei outro ônibus. Às vezes, encontro as mesmas pessoas; outras, pessoas diferentes. Encontrei desta vez uma grande amiga de infância, que havia brigado comigo há alguns anos. Ela sentara logo atrás de mim, não falamos nada. Agimos completamente como estranhos um para o outro, assim como eu fingi que não era possível iniciar uma conversa interessante, com uma outra garota que estava ao meu lado, lendo um livro que eu já tinha lido e gostara muito. Por quê? Por que manter em silêncio? Por que as pessoas sentam diariamente num lugar e não falam com quem sempre as acompanha? Se o “bom dia” para o motorista já é meio seco e dado sem sorrisos, imagine um bate-papo de ônibus entre pessoas “desconhecidas”.
É basicamente se sentar e esperar o destino chegar. Todos os dias. Com as mesmas pessoas. Com a mesma rotina, todos estressados, tristes, infelizes e com medo.
São muitos olhos e poucas bocas.