Coisas de um quase idoso nos termos da lei
Não me preocupam o chavão nem o lugar-comum e, demais disso, nada tenho contra o óbvio e evidente. Reconheço, todavia, haver quem se preocupe demasiadamente com aqueles e seja inimigo mortal deste. Bom, talvez até seja mesmo uma implicância minha com tais implicâncias de terceiros. Talvez, repito. O fato é que não gosto do psitacismo de quem, sem entender bulufas, repete embasbacadamente o que ouve, quase sempre com falsos laivos de sabedoria. Irra, isso me dá comichão!
Por falar nisso, escrevi bulufas, em vez de bulhufas, apenas para implicar com este basbaque do corretor ortográfico, que só reconhece a segunda forma, bulhufas, e, por conseguinte, dá como errada a primeira, bulufas. Ah, coitado! Ele, contudo, está no papel dele. Pior é quem, não tendo a devida segurança, pensa que a palavra não existe e, por conseguinte, tal qual um psitacídeo, repete que bulufas está errado, que o correto é bulhufas. Ih, muitos caem nessa! Existem, entretanto, as duas formas: ambas estão corretas.
Pois bem, voltando. Na maioria das vezes, o boboca nem sabe realmente o que é lugar-comum, clichê, chavão, ou sei lá o quê. Não sabe, mas – embasbacadamente, repito – ousa, feito um papagaio, dizer que é contra, que isso, que aquilo. “Joga para a galera”, como diz o vulgo. E se dá mal, pois, para dizer o mínimo, fica feio aos olhos de quem sabe. Cuidado! Nem tudo é clichê, ou chavão, ou lugar-comum, ou sei lá mais o quê, como se diz ser Brasil afora (ou adentro, tanto faz).
Gosto de dizer e escrever o óbvio e, de vez em quando, falo disso. Ninguém se aborreça, pois, por favor. Nada é tão óbvio como à primeira vista se parece: o exame de qualquer coisa aparentemente simples mostra a sua complexidade. Falei disso, por exemplo, na crônica “A Obviedade e a Verdade”, a primeira das trinta crônicas que compõem meu livro Revista e Jornal: crônicas escolhidas. Em outras oportunidades também, como, por exemplo, na crônica “O Dia do Leitor”, a décima segunda das que compõem o meu livro As Areias Nuas do Mar.
Meu principal objetivo ao tratar do assunto hoje, porém, é, além da evidente defesa do meu ponto de vista, homenagear mais uma vez o grande escritor Graciliano Ramos, tal qual fiz na minha citada crônica “O Dia do Leitor”, citando a crônica “Chavões”, que ele, com elegante ironia e muito saber, escreveu. “Chavões”, além de constar no livro Garranchos: textos inéditos de Graciliano Ramos, foi publicada na edição número 15 (dezembro de 2012) da revista Metáfora, periódico infelizmente hoje extinto.
Diz, no primeiro parágrafo, o velho Graça: “Atacam por aí o lugar-comum. Não sei por quê. Sendo comum, deve ser conveniente ao público, e não valem contra ele as opiniões de alguns cavalheiros que não são comuns.” Declara solenemente no início do segundo parágrafo: “Se me dão licença, declaro que tenho predileção especial pelos clichês.” E encerra a crônica com o décimo segundo parágrafo, dizendo com dupla ironia: “Apresento uma sugestão aos homens inteligentes: deixem de escrever e entreguem a pena aos imbecis.”
É isso. Queria falar também dos livros A Sociedade dos Chavões: presença e função do lugar-comum na comunicação, de Claudio Tognolli, e Línguas e Jargões: contribuições para uma história social da linguagem, ensaios de Peter Burke, Roy Porter e outros, mas isso fica para outra oportunidade, se houver. Espero que haja.
Ah, sim!… Dia 6 de março de 2020, se, pela graça e misericórdia de Deus, estiver vivo, como espero estar vivo e com saúde, passarei a ser idoso na forma da lei, ou seja, mais precisamente, nos termos do artigo 1.º do Estatuto do Idoso (Lei n.º 10.741, de 1.º de outubro de 2003): completarei 60 anos. Está explicado o título. A Deus toda a honra e toda a glória!