COMENTANDO O ARTIGO 142 DA CONSTITUIÇÃO
O artigo 142 da Constituição Federal é um dispositivo que define as funções e a organização das Forças Armadas, que são constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica. Diz:
“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
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§ 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.
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Lei complementar n.º 97 de 9 de junho de 1999:
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Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação:
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§ 1o Compete ao Presidente da República a decisão do emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados.”
(Negritos e grifo do autor)
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A interpretação do artigo 142 tem gerado polêmica e controvérsia, especialmente em contextos de crise política e institucional. Alguns setores defendem que o artigo autoriza o Presidente da República a convocar as Forças Armadas para intervir em outro poder, como o Judiciário ou o Legislativo, caso haja algum conflito ou ameaça à ordem constitucional. Essa seria uma forma de garantir os poderes constitucionais, conforme previsto no artigo. Essa tese foi defendida pelo advogado Ives Gandra Martins e pelo próprio presidente Jair Bolsonaro em uma reunião ministerial em 2020.
No entanto, essa interpretação é considerada equivocada e inconstitucional por juristas e professores de direito não ligados ao governo e pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Eles argumentam que o artigo 142 não trata de divisão entre os poderes, mas apenas de regulação das Forças Armadas. Eles afirmam que o artigo não permite que um poder intervenha em outro, pois isso violaria o princípio da separação e da harmonia entre os poderes, que é um dos fundamentos da Constituição. Eles também ressaltam que as Forças Armadas não são um poder moderador ou um árbitro entre os poderes, mas sim instituições subordinadas ao Presidente da República, que devem defender a democracia e as instituições democráticas.
Em 2020, o ministro Luiz Fux, do STF, proferiu uma decisão liminar sobre o assunto, esclarecendo que a prerrogativa do presidente de autorizar o emprego das Forças Armadas não pode ser exercida contra os outros dois poderes. Ele afirmou que isso configuraria um "atentado à democracia" e uma "usurpação de competência" do Congresso Nacional e do STF. Portanto, segundo ele, o artigo 142 não prevê nem legitima uma intervenção militar no país.
Quando se afirma que o artigo não permite a intervenção de um poder em outro, pois isso violaria o princípio da separação e da harmonia entre os poderes, podemos questionar se houve ou não violação desse princípio de separação e harmonia entre os poderes em alguns casos, especialmente por parte dos ministros do Superior Tribunal Federal (STF).
O artigo 15 da lei complementar n.º 97 de 9 de junho de 1999 diz ser de responsabilidade do Presidente da República o emprego das Forças Armadas e indica a quem a ele se subordina. Ficou implícito que é de sua única competência.
O § 1º dessa lei complementar é claro ao afirmar que compete ao Presidente da República a decisão do emprego das Forças Armadas, seja por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados. Para ser mais claro, só faltou dizer que a decisão do emprego das Forças Armadas é de competência exclusiva do Presidente da República, já que ele é o seu comandante-chefe e qualquer outro poder deve subordinar-se a ele ao solicitar (ao Presidente) o emprego delas.
Também, em nenhum momento, o texto fala em intervenção militar, mas sim em emprego das Forças Armadas, o que pode ser para garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem. O artigo não prevê nem legitima uma intervenção militar no país, como tão bem observou o ministro Luiz Fux do STF. O que vai legitimar será algum dos poderes agindo fora de suas prerrogativas e atribuições estritamente constitucionais. No caso da Presidência da República ou Ministro de Estado, há o processo de “impeachment” pelo Congresso, a partir de denúncia de qualquer cidadão. Neste caso, não se fala de emprego das Forças Armadas. Já em um caso de um poder contra o outro, se não for por meios pacíficos e legais e tiver que usar as Forças Armadas, estas serão acionadas pelo ou através do Presidente da República, titular ou em exercício.
Quanto às Forças Armadas não serem um poder moderador ou um árbitro entre os poderes, isso é certo, pois são instituições subordinadas ao Presidente da República. Elas devem defender a democracia e as instituições democráticas sob as ordens deste. Portanto, o poder moderador é do Presidente da República, seja ele titular ou em exercício. Trata-se de uma questão de hierarquia.
No caso recente, o poder poderia ter sido exercido pelo presidente Jair Messias Bolsonaro ou pelo general Antônio Hamilton Mourão quando este assumiu a Presidência da República no final de seus mandatos. Isso era o que os ativistas da direita esperavam em suas manifestações e acampamentos, insatisfeitos com o processo eleitoral, os resultados das urnas e a transparência delas.
Concluo dizendo que sim, é possível recorrer ao poder moderador, que é o Presidente da República. Este, a seu critério, pode empregar as Forças Armadas para estabelecer a ordem no Judiciário ou em qualquer um dos demais poderes, sem, no entanto, contrariar as Instituições Constitucionais, por serem pilares da Democracia. Se houvesse a possibilidade de abalar um desses pilares, o regime democrático seria extinto e, nesse caso, concordo que se iniciaria uma ditadura. No meu entender, essa ideia está longe do pretendido, sendo que o fato gerador foi em relação às eleições e à interferência tendenciosa do Supremo Tribunal Eleitoral, desde a habilitação da ficha limpa para o ex-condenado até a restrição da campanha de reeleição do então presidente Bolsonaro, proibindo peças publicitárias e limitando divulgação em rádios (radiolão).
Normalmente, quando se implanta uma ditadura, o primeiro poder a sofrer baixa é o Poder Legislativo, e não o Judiciário. Atualmente, com o Judiciário assumindo assuntos do Legislativo, questiona-se a utilidade deste. Até o presidente Lula já se manifestou questionando essa utilidade, como se estivesse revelando seu pensamento e talvez antecipando sua vontade. Note-se que Hugo Chaves, na Venezuela, em 1999, solicitou a dissolução do Congresso. Getúlio Vargas, em 1930, baixou um decreto dissolvendo o Congresso Nacional, as assembleias legislativas dos estados e as câmaras municipais; em um pronunciamento por rádio, fez críticas ao regime democrático, que estava causando tantos males, e ao Congresso, que nada produzia e criava dificuldades para as iniciativas do governo. Durante o governo militar (1964/85), que alguns chamam de ditadura militar, o Congresso foi fechado três vezes; em 1966, o marechal Castelo Branco, durante seu mandato, decretou recesso do Congresso por um mês, para conter um “agrupamento de elementos contrarrevolucionários” que se formou no Legislativo “com a finalidade de tumultuar a paz pública”.
Como mencionei no início, este é um assunto polêmico e controverso, sobre o qual nem altos magistrados, estudiosos constitucionalistas e cientistas políticos conseguem chegar a uma conclusão.
Infelizmente, a falta de embasamento político nos deixa à deriva, sem direção. As decisões partidárias dos juízes da Corte, suas preferências políticas extraconstitucionais, a falta de foco e ações do Congresso, além da rendição dos militares de alta patente à causa progressista, fazem com que os cidadãos esclarecidos percam a confiança nas instituições.
As instituições, após as últimas eleições, ficaram completamente desgastadas.