Esclarecer é esclarecer e escurecer é esclarecer, então... Que doideira!
- Com a voz de uma entidade celestial, uma digníssima senhora, do alto de sua elevada estatura sapiencial, emitiu uma das suas sentenças professorais, que se inscreveu no livro universal em cujas páginas estarão para sempre registrada, e consiste tal sentença numa simples mensagem, que, porque simples, transparece a sabedoria, que é ingente, irrivalizada, comum às deidades sempiternas que ordenam as estruturas do cosmos, mensagem a repreender, imbuída da razão universal, os homens estupidificados pelos vícios modernos, de cuja multiplicidade é uma de suas contituintes o racismo, que se reveste de inabarcáveis invólucros para se passar despercebido dos humanos desapercebidos de sabedoria, seres humanos que, em sua quintessência, desvigorados pelos males modernos, incontinentes, incontinentis arrastam-se maliciosa e despudoradamente com o fim de empreenderem o propósito, que é-lhes o escopo, o de fazerem-se dignos de, e sem que os admoestem os sábios, e revelando-se almas carcomidas, reverência no momento mesmo em que emitem palavras putrefatas que trazem em seu bojo o ódio intrínseco à alma, ódio que é-lhes inato, e eles o estimam, e um dos elementos que lhe emprestam, num tom de inocência farseca, é a naturalidade da sua postura, caricatura de uma alma pura, conduta a ocultar, de olhos destreinados de espíritos desatentos, a maldade que é-lhes a coisa mais natural.
- Por que tu falas, ô, amigão, assim, de um jeito todo jeitoso, como se falasse de uma coisa, assim, coisada?! Tu não sabes usar a linguagem de gente, não?! De que planeta tu vieste, pouca-sombra esmilinguido?!
- Uso um estilo literário apuradamente encomiástico porque estou a falar de uma personalidade superior, e não de reles seres humanos. Fosse outra a personagem, eu usaria de linguagem rasteira, chã, a apropriada para tratar de criaturas insignificantes. Não é este, no entanto, o caso, aqui: estou a falar de uma entidade suprema.
- Eita! Onde amarrei a minha égua?! Que diabos! Fala linguagem de gente, homem! Por que tanto enfeite?!
- Destaca-se: a digna senhora, entidade celestial, expôs uma das incontáveis artimanhas que os energúmenos sevandijas, aviltados pela cultura racista que preenche todos os interstícios da estrutura do edifício da civilização moderna, empregam em suas expressões diárias o verbo "esclarecer" quando estão a declarar que tem de se eliminar confusão acerca de determinada questão, iluminá-la, associando luz com a raça branca, e, por conseguintemente, a escuridão com a falta de luz, entendendo ser, então, confusão apanágio da raça negra.
- Não entendi nadinha de nada, doutor. Esclareças o que queres dizer, porque não entendi uma virgula do que tu disseste.
- "Esclareças..." Ora, tu estás viciado...
- ... em cerveja e em pinga, sim, confesso. E em churrasco, também.
- Uma pessoa diz para o seu interlocutor: "Vou esclarecer a questão que te atormenta." "Esclarecer", na frase, é sinônimo de "clarear", e "clarear" tem o sentido de "ficar branco", e "ficar branco" de "adquirir beleza, harmonia, limpeza". Seria o mesmo que dizer "Vou deixar branca a questão.", isto é, limpá-la, dar-lhe luz. Aqui, vê-se, a cor branca indica limpeza. E é o oposto de "limpeza" "sujeira"; se "limpeza" é sinônimo de "branco", e se "branco" remete à raça branca, então o antônimo de "branco", "preto", que remete à raça negra, é sinônimo de "sujeira", o antônimo de "limpeza". Então, ao se falar "Vou esclarecer a questão." está-se a expôr a mentalidade racista que todos os que não estão imbuídos do conhecimento superior assimilaram no momento cada qual de sua concepção, e a querer dizer, automaticamente, que se se substituir na frase "esclarecer" por "escurecer" está-se a afirmar que é o verbo "escurecer" algo repulsivo, pois não elimina a confusão, e se está "escurecer" naturalmente atrelado à raça negra, então, conclui-se, é a raça negra visceralmente inferior à branca. É este o pensamento racista subjacente à frase que estudamos.
- Que trem doido! Coitada da maria-fumaça! Aonde iremos parar se seguirmos nesta toada?
- Temos de suprimir à linguagem as palavras e as frases inegavelmente racistas. Infelizmente, muitas pessoas as repetem, todo dia, sem sabererem que estão a emitir uma herança cultural racista. E para acabar com o racismo natural temos de alterar o significado das palavras. A palavra "escurecer", que tem o sentido oposto ao de "esclarecer", que é racista, tem de adquirir um sentido anti-racista, e assim, assumindo o sentido de limpar, iluminar, na frase, substituindo-se "esclarececer" por "escurecer", "Escurecer a questão.", "escurecer" adquire o sentido de iluminar, limpar.
- Não entendi uma coisa desse trem que tu disseste. Não sou mineiro; sou paulista, mas digo "trem" porque acho legal, engraçado. Ora, se na frase "Esclarecer a questão." a palavra "esclarecer", que é racista, segundo tu disseste, é sinônimo de limpeza, de limpar, iluminar, então "escurecer", agora a significar limpar, iluminar, tem o mesmo significado de "esclarecer", e se "esclarecer" é racista, então "escurecer" também é, afinal, agora, "escurecer", que é sinônimo de limpar, de iluminar...
- Tu tens de entender que ao se substituir, para acabar com o racismo, "esclarecer" por "escurecer", está a se excluir da linguagem a palavra "esclarecer", que é racista, e assim eliminando-se o racismo da natureza humana.
- Que coisa! Neste caso, "escurecer" é sinônimo de limpar, de iluminar, e se "escurecer" está associado à raça negra, e sendo que a raça negra é oposta à branca a branca está associada a "sujar", a "escurecer", esta palavra no seu significado antigo, e se o fim é a extinção de "esclarecer", então estamos a falar de genocídio da raça branca.
- Nada disso. Tu estás a ir, porque desprovido de boa formação intelectual, de encontro a um idéia, a minha e a de outras pessoas esclarecidas, que vai ao encontro da paz universal, de um mundo sem fronteiras. Ora, se tu te dedicasses a estudar autores dignos, justos e democráticos em vez de dares atenção para a herança cultural patriarcal embebida de masculinidade tóxica da branquitude européia e de racismo estrutural fascista e nazista dos supremacistas brancos, entenderias que estás a incorrer em injustiças desumanas históricas as quais, sabemos os que estudamos bons autores, te impedem de conheceres a verdade, que é a que a nossa ideologia determina, cientificamente válida.
- Não entendo patavina do que tu dizes, cabeça-de-cuia, pois tu falas grego misturado com egípcio e sumério. Além disso, o mais importante que tenho a te dizer é: Vai para o raio que te parta! Cansei-me desse teu galimatias, cabeça-de-bagre! Tchau, pardal! Fui!