O Carneiro pode com o Touro?
O Carneiro pode com o Touro?
Por diversas vezes ouvi que em uma disputa, o carneiro costuma vencer o touro. Então fico imaginando como foi que sobrevivi, inclusive para estar aqui contando sobre isso.
Para a cabeçada do carneiro, dava-se o nome “marrada”. Menino, dos quatro aos sete anos, tomei muitas marradas, daquelas que jogava a gente longe. Andando pelas estradas ou trilhas que ligavam os sítios ao entorno da fazenda do meu avô, era comum ouvir aquele tropeu da corrida do carneiro, não havia tempo para olhar, só tempo para esperar a pancada traiçoeira e a queda inevitável. Eu não me atrevia a entrar sozinho nos pastos onde os carneiros ficavam, o caso é que as cercas não davam conta de segurá-los, então era comum que eles escapassem e circulassem pelas imediações. Creio que aquele meu medo compreensível, tenha me livrado de um perigo maior.
Para chegar na restinga onde ficava a nascente que servia a fazenda, era preciso passar pelo pastinho onde costumavam ficar os carneiros e uma parte do gado. Eu gostava das restingas e aquela tinha uma atração especial, uma lagoinha, que no meu sentimento de menino, era o paraíso. Vi essa lagoa uma vez só, acompanhando os tios e os primos. Escondidos do meu avô, que era rigoroso nesses cuidados, eles construíram aquela lagoa escondida entre as árvores. Achei a maior das maravilhas eles pelos grossos cipós, se lançarem sobre a lagoa e lá no meio se soltarem caindo na água. Foi a única vez que me deixaram ir. Não fosse o medo dos carneiros, teria ido sozinho em algum momento. Meu espírito aventureiro talvez me fizesse entrar na água sem saber nadar. Lembro-me muito bem das quedas, dos esfolados nos joelhos e braços, da dor que isso tudo causava. Entretanto, das marradas em si, só me lembro do impacto, sempre saía delas, correndo, fugindo para não tomar outras.
Falando em dor, os meninos do meu tempo aprendiam a lidar com as dores. Todos que andavam descalços pelas pastagens, sabem como é a dor do espinho do joá "brabo", das cabeças dos dedões que comumente eram arrancadas por alguma pedra, barranco ou um toco qualquer, das ferroadas dos maribondos, das formigas pretas ou lava-pés, e quando com frieiras se pisava no capim molhado? Quem já sentiu tudo isso? A liberdade compensava tudo. Medo, só das chineladas, beliscões, cintadas, chicotadas, das assombrações, etc., e tal. As mulheres morriam de medo do Chico Mariano (essa é uma outra história, para um outro momento).