MUDANÇA DE PLANO

Já faz uma década, mas vou relatar uma estória no mínimo inusitada. sobre um pastor pentecostal de uma cidade do sul capixaba.

A família comemorava o noivado de sua filha. O ambiente festivo e toda comunidade da igreja presente. Uma premissa básica desse grupo prá lá de conservador sempre foi a não ingestão de bebidas alcoólicas. Sabedor do dogma, no dia anterior providenciei um pack de doze cervejinhas, para meu deleite enquanto durasse a tão aguardada comemoração para o passo inicial da união de um casal de filhos.

Numa mesa destacada, fora do ambiente fechado onde rolava o evento apenas me divertia apreciando a movimentação dos convidados e seu glamour interiorano. Volta e meia algum parente sentava ao meu lado e trocava uma ideia, e novamente retornava ao salão.

Uma situação inusitada de repente se concretizou: um senhor negro, gorducho e com idade que estimei superior aos cinqüenta anos me pediu permissão para sentar à mesa. Não muito à vontade, consenti nitidamente por educação. Pronto, daquele momento em diante me senti no papel de um padre católico, ao receber algum pecador no confessionário.

Caramba, não era bem para isso que tinha me programado, naquela transição da tarde para a noite com sua luminosidade multicolorida, que tanto agrada aos meus olhos. Não demorou muito, e esse pastor confesso, agora pleiteava não apenas um lugar à mesa, o aluguel dos meus ouvidos, mas também a possibilidade de me acompanhar na cervejinha, e ele melhor que ninguém, sabia das restrições ao consumo de álcool imposta aos fiéis.

Agora, a vontade e desfrutando dos efeitos da bebida o pastor se soltara de vez, começando a discorrer por sua anterior conturbada trajetória de vida. Não é que o sujeito era oriundo do Rio de Janeiro, e passara férias na colônia penal do Gericinó por envolvimento com o tráfico, na favela do Catiri, periferia do distante subúrbio de Bangu.

Para incentivar o religioso, perguntei como foi possível essa radical mudança de status, de presidiário no Rio, a pastor no sul capixaba. Empolgado com sob efeito do álcool, declarou que nunca tivera religião e que optou por uma, assim que pois os pés no presídio. Sentiu que a oportunidade de passar melhor a estadia enclausurada lhe sorriu, se juntou ao grupo neoevangélico local e passou a desfrutar de mordomias impensáveis para aquele hostil ambiente prisional.

A partir dessa opção, usando seu carisma de malandro carioca, teve sua formação religiosa concluída atrás das grades. Por interferência das autoridades evangélicas locais, logo estava em liberdade, e portanto apto a comandar um rebanho.

Detentor de uma corrida ficha policial na cidade, o que poderia prejudicar sua inserção entre fieis, membros da alta cúpula dessa igreja resolveram nomeá-lo pastor em outro estado, até pra que uma mudança de ares tivesse influência positiva em seu promissor futuro.

Realizado nessa nova vida pastoral, já tinha conseguido uma esposa e uma autonomia financeira hoje rara uma pessoa que ainda mostrava clara dificuldade de lidar com concordâncias, sejam elas nominais ou verbais, o que de alguma forma ajuda a criar uma empatia com o rebanho.

Quando me dei conta, o pequeno estoque de cervejas tinha se esgotado, função da velocidade com que o recém religioso esvaziava copos.

Se fosse contar como piada, poucos acreditariam que passei boa parte da festa de noivado da minha sobrinha, municiando com cerveja, um ex-avião de uma favela carioca, que se converteu em pastor no Espírito Santo, amém!

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 03/11/2023
Código do texto: T7923780
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