ORAÇÕES PAGÃS

Precisava escrever desesperadamente. Estava tomado por doses imediatistas de psicodélicas flutuações poéticas. Desespero imediato, com a redundância que esse termo possa aparentar. Finalmente, dentro do meu coração estavam escritas modalidades internas, construções imagéticas de meu olhar ainda margeado pela ânsia de gritar aos quatro ventos, sobre quem era eu e sobre quem eu poderia me tornar daqui para a frente, disposto a entender correntes internas dos meus olhares mais inumanos, das minhas hecatombes táteis mais implícitas. Eram tantas questões, meu Deus. Como poderia sobreviver há tantos pormenores das minhas peculiaridades cotidianas. Quem era eu, afinal? Quem somos nós diante de tamanha beleza verdejante, tantas profusões campestres e cheiros peculiares? Deixo-me levar pelas águas azuis das sinapses cerebrais. Sou fruto sensível que não apenas nasce das flores, mas, também sente o universo ao meu redor, tão insensato, mas tão perfeito, quem diria.

Sem saber desloquei minhas preciosidades sentimentais em papeis avulsos, tão virgens, porém, pecaminosos de minhas intenções ao usá-los com toda a ferocidade presente nos carpos. Fúrias não nascem do desejo de destruição para todo o sempre. Muito pelo contrário. É a fúria o motor indispensável para aliviar toda a minha dor de não poder falar os textos que espremem as paredes de minha cabeça já exausta. Oh, quem diria, quem seria o mentiroso outro eu que desmentiria confissões tão ludibriantes, e numa destreza inata, se proporia a ser lúgubre sensação de desmanche? Como quem some, sou dia chuvoso entre raios solares cortantes. Ei-a-então possessiva felicidade na fúria. Dos meus dedos precisava sair sangue, fluidez arquetípica onisciente do espaço febril entre a consciência ruborizada e o puro ostracismo instintivo.

Precisava do ar denso das tristes lembranças, prontas a me alimentar, e só assim, eu seria livre de fato. Não era livre por dizer tudo aquilo que precisava dizer, mas dizer tudo aquilo que eu queria era avançar o sinal, então, eu não era tão tristonho que não pudesse me jogar de cabeça nas minhas alegrias mundanas, nem tão mundano que esquecesse os sofrimentos diários. Quem respira, de algum modo, está propenso a sofrer. Não tenho essa certeza como fardo, mas a tenho como intensidade de fluxo. É preciso sentir o fluxo para amar de verdade, é preciso doer a cada batida do coração para valorizar o mundo. Estaria sendo cínico se dissesse que o doer da vida é fascinante. Quer dizer, diria algo até pior, estaria sendo masoquista se tivesse tal certeza. Meu Deus, quanto de mim ainda resta diante das entranhas das outras versões jogadas ao chão? Imagino que seja muito. Ainda assim percorro os caminhos íngremes, tamanha é a minha teimosia.

Vamos ao que interessa. Não há receita alguma, e quem se propuser a desabafar saberá disso imediatamente. Primeiro os rabiscos, o vazio antiestético redobrado pela angústia. Escreve bobagens, joga-se papéis no lixo, e, por fim, gasta-se infinitas quantidades de horas e tintas de caneta para redesenhar todo o cenário. A perfeição é um caso raro de geometria espacial. Posso estar vivendo na época errada, e então, o meu ângulo não serve de nada, quiçá, por pura sorte, abrirei mão dos meus pré-julgamentos e estarei bem encaixado. Entretanto, digo sem medo, não seria quem sou. Seria fantoche dos outros, das circunstâncias, alguém que se prostituiu em busca de aceitação. Escreva, escreva, escreva, escreva, e, não deixe de correr entre as linhas com fôlegos trôpegos, pois é assim que se chega ao destino.

E de tanto explorar todas as minhas dores, nos papéis avulsos já não se tinha mais nada além de letras borradas de sangue. Eram tintas imensas despejadas em papéis brancos não usados por outras mãos senão as minhas. Precisava maltratar um pouco, amassá-los, esquecer que escrevi pelo ímpeto de tê-los rasgado sem ter dado conta de que minha confissão estava ali. Escrevia pelo intuito de sussurrar calorosamente, com o amargor humano e inequívoco que somente quem sintoniza está aberto a obter. Agora eu era mais do que um escritor, era um ser indigesto, humano cheio de perversidade, pronto para ser descoberto pelos meus crimes. Ora, quem nunca cometeu tantas atrocidades não viveu. Pude viver então, ser livre enquanto aprisionava essa latência pulsativa nos moldes corpóreos displicentes.

Poderia entre os vãos das portas existir motricidade que aguce os meandros sensoriais da imaginação. Outrora éramos correspondidos pelas interdependências dos obstáculos pelo que não faríamos. Verbos abstratos formam-se abjetos quando não experimentados pelos lados utilitários dos meus resquícios felizes de vida. Vida que tanto apoiei em esperanças voluptuosas. Perguntei-me se não era a hora de me desapegar da matéria ferrenha que tanto desejei. Oh, Deus! Como soa claro o meu terror noturno pela pungência insana e lúgubre das noites mal dormidas. Hoje experimento melhor entre poesias os meus cálculos indigestos do olhar, alheio desinteressado de quem eu era. Realmente eu era alguém propriamente propenso a imensos erros, subsequentes períodos de lamentações. Reconheço-me noutro espaço, menos vago e mais realista, por mais doloroso que possa parecer. E tamanha magia mal cabe numa oração, quiçá dentro das páginas de um livro.

Hivton Almeida
Enviado por Hivton Almeida em 02/11/2023
Código do texto: T7923051
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