Onde andará Mariazinha?

2023. Circulei pelas ruas de Porangaba, curti as várias atividades programadas para o aniversário do município e observei uma multidão desconhecida aos meus olhos. Imagens antigas da cidade e de amigos teimaram em ocupar meus pensamentos. Um questionamento se fez presente: Onde andará Mariazinha?

Quero aqui, chamar de Mariazinha todas aquelas meninas que conviveram comigo na minha infância e que juntas brincávamos inocentes, num doce e ingênuo compartilhamento do mesmo brinquedo. Satisfeitas com o que tínhamos, não ousamos questionar tamanha pobreza financeira.

Não esperávamos um presente de Natal, mesmo acreditando piamente em Papai Noel. A gente esperava para ver e brincar com os presentes de outras crianças, as quais o Papai Noel sabia o caminho da casa. A minha amiga Mariazinha também tinha um endereço difícil de ser achado.

Ao final de um ano qualquer, quando eu tinha seis anos, minha mãe se antecipou e com mãos de fadas fabricou a mais linda boneca de pano para eu brincar com a minha amiguinha. A boneca ficou bem gordinha, recheada de flocos de algodão colhidos por meu pai. Na carinha da boneca, minha mãe bordou os olhos, a boca e as sobrancelhas com linhas coloridas, deixando-a sorridente e feliz por ter com quem brincar. Ela era linda, com cabelos cacheados, feitos com lãs amarelas e marrom. Dei-lhe o nome de Monique, mas Mariazinha passou a chamá-la de Princesa. E assim Princesa reinou por longos meses entre meus braços e abraços de Mariazinha.

Minha mãe, astutamente, se antecipava, pois sabia que o endereço de quem morava na zona rural era complicado para o Papai Noel. Assim, ela nos ensinou a brincar de casinha, com coisas que íamos catando pelo quintal. Cacos de louças quebradas viravam nossos utensílios de cozinha, pequenas madeiras eram as prateleiras e até fazíamos um fogão à lenha com argila, uma miniatura idêntica ao usado em casa. Um bercinho e nele uma bonequinha de sabugo dormia, embalada por Mariazinha. As horas passavam e o Papai Noel era perdoado.

Com nove anos, eu quis ardentemente um jogo de varetas. Passei o ano todo pedindo, em minhas orações, que o " bom velhinho" deixasse na casa da minha avó, na cidade, o jogo que alegraria a mim e a tantas outras Mariazinhas no horário do recreio escolar. Minha mãe disse ser uma boa ideia o pedido e certamente, Papai Noel iria atender.

Num domingo de dezembro, após a missa, minha mãe chegou com um embrulho, dizendo que a encomenda tinha sido entregue com antecedência. Eu e Mariazinha alisamos o canudo, dobramos o papel pardo de embrulho e contamos várias vezes a quantidade de varetas. O mais lindo jogo estava nas nossas mãos, era preciso cuidar muito bem para não quebrar nenhuma vareta. Jogo caro, embrulhado com afeto.

Vivemos assim anos seguidos. Mariazinha ao meu lado. Cortávamos a distância entre nossas casas, pulando por barrocas e enroscando os dedos dos pés descalços nas guanxumas do pasto. As horas da tarde voavam, tamanha era a nossa amizade e encantamento pelas nossas brincadeiras. Foi com Mariazinha também que brinquei de escolinha. Ora eu era professora, ora eu era aluna.

Crescemos e Mariazinha se foi. A família dela mudou-se para longe da chácara de meus pais. Nunca mais a vi, soube recentemente que Mariazinha casou-se e mora na Espanha. Lembrará ainda dos nossos brinquedos? Lembrará da amiguinha que ainda guarda-a em suas lembranças? Onde andará a Mariazinha de hoje?

Aquela Mariazinha da minha infância, eu sei, encontra-se aquecida e reinando na colcha de retalhos de minha mãe. Está aqui, preservada, dentro do meu peito de menina!

Estela Maria de Oliveira
Enviado por Estela Maria de Oliveira em 02/11/2023
Reeditado em 14/11/2023
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