Embaixatriz e o Sr. Atanásio
A embaixadora quer ver o senhor Atanásio. Recebe o bilhete ainda no hotel observando com distração a quantidade de sofás dispostos no saguão. Sentado sob o peso da demora cruza as pernas e abre os braços para assistir o que se passa na recepção. Em breve será também hóspede e começa a sentir de antemão a melancolia dos seres distantes de suas casas com leva-traz das malas para o táxi. A chuva miúda e os guarda-chuvas. Os ombros descansando nos entrecostos. O transtorno dos sapatos de chumbo nos pés cansados dos viajantes. O movimento revestido de zelo dos atendentes.
A ansiedade rói a calma. A embaixatriz gosta de faisões, perdizes, toda cantatriz das palavras elegantes e finas. Receia que digam: O senhor Atanásio será recebido apenas de paletó preto. Penetraria numa sala repleta de paletós novos em cabides que simbolizariam graus ao seu feitio comum. Um paletó lhe diria sussurrando:
- Senhor Atanásio... Saiba que a formalidade ás vezes dá um ar de charlatão aos pobres. Imaginava o paletó se rindo dele com suas mangas moles.
Logo um ônibus estaciona e desce um circo falido de sinistro. A presença deles alegra o hotel mesmo na angústia. O elevador sobe e desce trazendo gente de toda a sorte. Uma mulata de cútis bela como a noite em traje de porta-bandeira sobe para o quarto cento e dois. Um cirurgião-dentista de branco procura o café-concerto. O passatempo de hotel lembra a calma de um piano fechado. Sentada perto da janela que dá para o mar a senhora vira o café sobre a toalha de alvura sem fim. O garçom corre até ela. O menininho no colo da mãe abre o riso sem piedade para o café escorrendo sobre a senhora soberbinha. Entra em meio ao movimento geral um bêbado sonambúlico que alterna o passo pelo corredor. Upa! Um passo maior e outro passo menor! Tropeça no primeiro degrau facilíssimo.
Pusesse a paciência de Atanásio em jogo total e ele gritaria sobre as sombras e meias-tintas em que se hospeda.
Percebe o senhor com cara de hamster junto a outro magro e alto. Perguntam um ao outro se ele seria o tal Amlet, nascido em Santa Vitória, terra das últimas palmeiras. Diz que sim e em linguagem quase onírica vê a embaixadora descendo a escada. Será um momento sem protocolo. O coração pulsa, bate, ao mesmo tempo em que Atanásio se sente como um scargot num heliário.