UM NOVO COMEÇO

Após um ano, as feridas do luto por minha esposa estão se curando e vão dando lugar a cicatrizes. No entanto, apesar da cicatriz não sangrar, ela dói.

Ocasionalmente, sinto-me de mãos dadas com as irmãs Gratidão e Saudade. Às vezes, percebo estar abraçado pelas duas. Não resisto, aceito seus afetos.

Os afagos de Gratidão são doces. Lembram-me de tudo que os de perto e os de longe fizeram pelo nosso bem, de modo visível ou invisível, de alma ou de corpo, de mente ou de coração. Gratidão me abriu meus olhos para ver que Deus nos concedeu um médico que foi além do juramento, fazendo-se compassivo e incansável na batalha pela vida da minha amada e companheira de nossas filhas.

Quanto à natureza de Saudade, ela me parece um pouco dominadora, impondo a presença da ausência. Preciso aprender a viver bem com ela, pois o vazio será uma visita constante. Os pensamentos de hoje não se desprendem facilmente das memórias de ontem. Sinto falta da minha companheira, parceira, esposa, amiga e paixão. Todas elas me deixaram. Consola-me a certeza de que ela não saiu de casa, mas mudou-se para a sua mansão eterna.

Não poucas vezes, Gratidão e Saudade me alçam no ar para uma dança ao som de uma canção que anuncia o começo de uma nova vida. Empenho-me com entusiasmo para essa dança terapêutica. Sou incapaz de descrever sua melodia, mas seu refrão sim. Ele saiu da boca de um afligido e humilhado Jó que não se dobrou aos ventos congelantes de perdas cruéis. Provocado a amaldiçoar, ergueu a voz e bradou: "o Senhor o deu, e o Senhor o tomou: bendito seja o nome do Senhor." (Jó 1:21).

Neste momento, minhas mãos no teclado tentam finalizar as palavras que estão alienadas da mente. Sigo bebendo de um cálice com sabores e aromas desconhecidos. Apesar disso, a rotina volta, e a vida tem que continuar sob o bordão do Buzz Lightyear: "Ao infinito e além!".