NÓS AQUI ESTRAGAMOS CÃES

 

 

Todos sabemos que cães precisam ter limites. Que se você permitir o acesso deles dentro de casa, depois ficará muito difícil - quase impossível - fazer com que durmam no canil. É preciso ter cuidado na hora da comida, quando eles podem tornar-se agressivos. Existem cães que estragam tudo em volta, e pronto: não têm jeito! Alguns cães não conseguem se socializar com outros, e isso pode ser uma regra. Apenas com muito treino e disciplina é possível ter cães educados, obedientes e controlados.

 

Acontece que aqui nós não gostamos da palavra "controlados." Não gostamos da palavra "Disciplina", e nem mesmo da palavra "treinador."

 

Somos estragadores de cães profissionais. Porque aqui, os cães podem latir o quanto quiserem. Eles não apanham nem sofrem represálias. Não ficam presos em coleiras ou canis. E tudo sempre acaba dando certo no final. Eles podem assistir Netflix comigo no sofá da sala aos sábados à tarde. 

 

Quando minha cachorrinha Leona morreu, agôsto passado, colocamos o Mootley para dormir na cama com a gente. Nos disseram que  efeito seria irreversível e que ele nunca mais concordaria em voltar para o canil. Daí nós adotamos a Luiza, há uma semana, para fazer companhia ao Mootley, pois ele sofre de ansiedade de separação. Ela chegou no domingo à tarde. Veio de uma situação de abandono, e quem sabe, maus tratos, pois alguns dentinhos estão quebrados, e no começo, se chegássemos perto falando alto para brincar com ela, ela se encolhia toda.

 

Como ela é adulta, foi muito difícil no começo, pois veio cheia de traumas - ela tem pavor de tempestades e se escondeu atrás da máquina de lavar; e quem disse que ela saiu de lá antes da tempestade passar? Também era agressiva com nosso cão Mootley na hora da comida, e avançava nele sempre que tentávamos dar-lhes petiscos. Também saía da casinha (a qual ela dominou) atrás do Mootley, feroz, se ele passasse na porta. 

 

Mas em apenas uma semana, ela está quase que totalmente estragada por nós. Hoje de manhã, ela pegou um de seus brinquedos e empurrou com a patinha na direção do Mootley. Já aceita muito bem a companhia dele, interagindo de forma saudável. Não pula mais na frente dele para roubar petiscos, mas espera a sua vez de receber e respeita o fato de que ele come mais devagar, não mais tentando tomar dele. Está comendo bem mais devagar, e às vezes sobra comida. Também já não mais se torna agressiva se ela estiver comendo e o Mootley passar perto. Também parou de rasgar os cobertores e cochões (com algumas pequenas recaídas, mas se falo com ela, ela pára imediatamente). 

 

E o que fizemos? Conversamos com ela. Mostramos a ela que ela não precisa ter medo, e que não existe necessidade para competição. Tentamos fazê-la entender que o ambiente é seguro, e providenciamos uma casinha para ela, um espaço seguro com brinquedos para ela chamar de seus. Brincamos com ela, juntamente com ele, para que ela entenda que Mootley é um aliado, não um rival. Passeamos com os dois juntos todos os dias. Repreendemos comportamentos violentos sem espancá-la. 

 

Não sei se um dia ela vai permitir que o Mootley durma junto com ela, mas já encomendei outra casinha para ele, que enquanto isso, continua dormindo conosco. Mas ontem à noite, ao irmos dormir, ele caminhou em direção ao canil e deitou-se sobre sua almofada. Escolheu ficar lá. De manhã, ambos estavam muito alegres, interagindo de forma saudável e sem violência. 

 

Sei que ainda há algumas coisas a serem estragadas, mas vamos conseguir; afinal, quem já estragou dois Rottweillers, um Cocker Spaniel  e uma Border Collie não terá tantas dificuldades assim em estragar uma viralatinha marrenta de porte pequeno. Só tivemos uma semana juntos, e ainda temos anos pela frente.

 

 

 

 

Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 31/10/2023
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