Intencional.
Estava três dias e partia para o quarto sem escrever. Não podia deixar um simples comentário banal o diminuísse tanto assim a ponto de impedir que seus longos dedos de pianista, como lhe dissera uma tia, percorressem levemente as teclas brancas do teclado preto, não podia claro que não podia, mas para o seu desespero percebia toda a indecisão vibrando nas fibras da pele dos dedos.
Não conseguia ver mais as frases que rolavam a sua frente em imagens e sons. Tinha primeiramente, se impregnar da poeira em que as palavras são formadas para, depois, ouvir seu interior concreto e transformá-la em maleável com a finalidade, ao chegar aos olhos do leitor, com um grau de compreensão, se inteirar com gosto pela leitura.
Por isso se degradava todas as manhãs, ao pisar o rústico calçamento da Avenida Paulista, deixando-se inundar por todas as vibrações possíveis num cataclismo visual e olfativo. Captava todos os graus de luzes, todos os decibéis de sons e, todos os tamanhos de visualidade possíveis para, mais tarde transformá-los em palavras compreensíveis.
Não pensava fazer literatura, apesar de que gostasse, sabia de sua fragilidade em abraçar um projeto maior do que essas linhas diárias. Sua capacidade literária, se é que tinha alguma, não ultrapassava uma folha.
Assim sendo, achou que devia parar por aqui, não queria que isso parecesse desculpa ou algo semelhante, não errou e não cometeu crime e, se mesmo que tivesse cometido crime ou tivesse errado não se arrependia.
Pois apesar de ser considerada uma pessoa que tudo o que fazia, ser embutido de segundas intenções, não fez nada intencionalmente, apenas permitiu a mente aberta deslizar em palavras.
Até a próxima...