À sombra da mangueira
Por alguns anos estive afastada deste querido laço que nos unia à tia Olga e aos primos. Hoje, eu senti novamente o frescor da sombra da frondosa copa da mangueira. Pude abraçar o seu tronco, com sinais da passagem dos anos e no declínio de sua vida produtiva.
Lembrei-me que a cada ano, no tempo de sua produção, eu, meus irmãos e primos éramos acostumados a visitar a tia, para nos lambuzarmos com os frutos desta árvore que sempre produziu em grande quantidade. Assim, que as mangas estavam “de vez”, verdolengas, dando mostra de maturidade, escolhíamos as maiores para comer com sal e trincar os dentes.
Embaixo da mangueira rolavam histórias mil, desde a adolescência da tia, da vida de casada, das nossas traquinices de criança e adolescentes. Ríamos muito à vontade para contar coisas, pois sabíamos da cumplicidade da tia e dos conselhos que nos dava depois.
Estar debaixo desta mangueira é voltar no tempo e estar ao lado dos primos, dos irmãos e da tia acocorados pelo chão ou dependurados nos galhos mais altos. A cara lambuzada, o caldo escorrendo pelos cotovelos, a barriga explodindo, tinha sempre um lugarzinho para mais uma fruta, até que não houvesse mais espaço para tanta gulodice. Uma sacola cheia de mangas ainda era levada para casa, para a semana.
Por conta da idade, a mangueira, irmã de mais três, ainda floresce abundantemente, mas já não consegue manter o ciclo e acaba abortando muitos frutos durante o crescimento. Seus frutos continuam saborosos, doces e ácidos como toda a manga da espécie espada. Maduros, a sua cor amarela com tons avermelhados fazem inveja a qualquer mulher que busca ter a boca rubra.
A sombra da mangueira sempre foi o local preferido da tia para nos receber. Caso a visita à sua casa acontecesse fora do período das frutas, num ritual, a tia Olga descascava cana e ia colocando em latinhas de extrato de tomate, batidas para tirar o perigo do corte. Para cada sobrinho ou neto oferecia uma latinha com os pedacinhos da cana. Era um prazer diferente, de amor de tia, de carinho percebido pelo gesto e não pelas palavras.
Extasiada, olho a mangueira, eu e ela, mais ninguém para dividir o momento. Nenhuma folha se mexe, o ar está parado. Fora do círculo da sua sombra, o calor do sol da tarde castiga os animais e as demais plantas. A mangueira também se ressente por estar sozinha. Onde estarão os meninos e as meninas trazidos pelas mãos da tia para degustar das suas delícias?
A tia, a mangueira sabe que partiu. E deve agora estar regando as mudas que fez com todas as sementes das frutas que ofereceu e preparando um novo pomar de mangueiras para reunir “as crianças” que ficaram para as próximas viagens.