Águas e vidas que rolam
As águas rolam, além de março, além do verão. Nunca passarão naturalmente pelo mesmo lugar. Observem as garoas, as chuvas e as trovoadas. Vejam os córregos, os rios e os oceanos.
Sigo imaginando o percurso de cada gota que cai sobre a terra. Umas evaporam rapidamente e voltam à atmosfera. De onde vieram, para onde irão? Outras penetram no solo, matando a sede das plantas e enriquecendo os nutrientes que as manterão vivas e saudáveis. Através da fotossíntese tomam outro rumo, seguem outro percurso.
Em maior quantidade, correm pelas valetas, córregos e riachos, tornando os rios satisfeitos pela abundância do tempo das chuvas. Lindo esse processo, mais ainda quando é presenteado com um arco-íris anunciando que a graça é divina.
Sentada à margem de um rio, escuto o murmurar das águas chegando, transpondo pedras, desviando dos barrancos, alisando os peixes e as vidas aquáticas. Uma melodia que acalma o coração de qualquer caboclo acostumado com a ciência da natureza.
Cantiga que falta aos ouvidos dos que vivem em regiões áridas, que ficam na observância do céu e à sua espera. À espera do cheiro da terra molhada, do pisoteio do barro sob os pés. É a garantia da vida, da abundância, do verde, do oxigênio.
Estas águas que rolam neste momento, neste lugar que estou, passam sob o nosso olhar ainda sem destino. Por onde seguirão e a quem sustentará ? Serão respeitadas pelo seu valor? Engrossaram os rios maiores, abastecendo cidades, chegando nas casas de ricos e pobres. Manterão vivos a quem?
A sua existência traz a paz que necessito, mas também a angústia dos conflitos pela ganância dos homens que destroem as matas ciliares, poluem as nascentes, transpõem os percursos dos rios por interesses econômicos e pessoais. Rios de outrora já não são os mesmos, nascentes secaram.
Precisamos irrigar a cabeça do Homem, refrescar a sua memória, retomar o percurso da História, para que aprendamos com os erros passados. É preciso preservar o Meio Ambiente. É preciso salvar a vida do planeta, muitas águas vão rolar até que aprendamos a ser mais inteligentes e menos gananciosos.
Por onde andarão as águas do rio que margeava a casa em que eu morava, no Bairro das Partes, que tornaram fresca a minha infância, que molharam o meu corpo de menina travessa de zona rural? Podem ser as mesmas que aqui passam neste momento, tão distantes da minha Porangaba? Ou estarão agora saltitantes nas ondas de algum oceano do planeta? Quem sabe inertes nas geleiras dos pólos terrestres? Que grande e imenso mistério!
Enquanto não damos conta dessas respostas, fiquemos com os questionamentos. Serão eles que nos movimentarão em direção de ações para a preservação deste bem precioso.
Ademais, quero continuar com a sensibilidade dos meus olhos e ouvidos para escutar o seu barulho molhando a terra, serpenteando os rios, irrigando as plantações, engrossando as correntes fluviais e engordando os mares. Quero o prazer diário de sentir o frescor e a ternura de uma água limpa lavando meu corpo e a minha consciência, matando a minha sede por atitudes ambientais.