Uma simples "air fryer"
Nem faz tanto tempo assim, realizar uma compra na internet era tarefa rápida, razoavelmente simples e sem maiores desenganos. Ação que se concluía em menos de 15 minutos, geralmente.
Agora, em 2023, porém, a coisa tem-se agravado, e a culpa não é total da Inteligência Artificial apenas. São tantos formulários a preencher, uma infinidade de opções a analisar, os quadradinhos em que figura o "Li e concordo com os termos" para marcar, as diversas formas de pagamento a escolher, inclusive PIX, a transportadora que irá realizar a entrega, se pode ou não deixar no vizinho, se é para presente, o número do cartão e de parcelas, o código de segurança, no caso de cartão, o convite para ser membro do grupo de cupons e descontos... Nesse trajeto, o consumidor gasta, nos tempos de agora e sendo otimista, ao analisar as muitas opções que existem no mercado, vá lá: uma hora, ou para ser mais preciso: nada menos que 60 minutos para comprar uma simples "air fryer".
Eu sou prova, por conta de vizinho meu, que me pediu um favor particular, isto é, pretendia ele comprar uma simples "air fryer" e recorreu a mim como intermediador. Meu vizinho é excelente pedreiro, sabe como poucos levantar muros de tijolos armados, a longitude horizontal e diagonal de uma trena; é perito em trabalhos de alvenaria, concreto e outros materiais pesados, mas em matéria digital, em assuntos de internet, é quase um completo desconhecedor. Digo quase, porque ele jamais confundiria a figura física de um computador com a de uma geladeira, por exemplo.
A culpa não é dele. Entendemos perfeitamente as urgências da vida, que o puseram em tal condição, de desconhecedor da artesania digital. Eu, no entanto, talvez graças a ter nascido em época posterior à do meu vizinho pedreiro, sou menos desconhecedor: sei soletrar o alfabeto, juntar silabas, pronunciar algumas, escrever "air fryer" no Google, em seguida apertar '"Enter".
A depender da velocidade da internet, surgem na tela em alguns segundos 1.000.000.000.000.000 de não tão simples de "air fryer". Só para descer a barra lateral de modo a enxergar algumas, gastamos vinte e cinco minutos. São tantas: de cores, marcas, tamanhos diversos; algumas em acabamento inox; outras, a maioria, com desligamento automático, aviso sonoro, lâmpada piloto, com 1 ano de garantia e uma propaganda em letras grandes, em que afirma ser fácil de usar, saudável e fazer alimentos saborosos.
Meu vizinho pedreiro e eu, analfabetos em assuntos de cozinha e seus adereços, ficamos sem saber por onde começar. Contudo, nada muito sério, pois logo uma figura robotizada, em um dos sites visitados, surge e se dispõe a nos instruir.
O robozinho é simpático. Parece até algumas gentes. Ele nos cumprimenta com um simpático "Olá!", em seguida pergunta em que poderia nos ajudar. Explicamos-lhe a situação. Ele é compreensivo e bastante entendedor da mecânica e funcionamento das "air fryer".
Em longos 15 minutos nos entediou bastante e por completo com as mil e uma utilidades e dinamismo da máquina de fritar batatas fritas, e acabou convencendo meu vizinho pedreiro a adquirir uma.
Preenchi os dados da compra: indiquei o endereço de entrega, digitei o número do cartão, o código verificador, o número de parcelas, informei que não era para presente, que igualmente não dispunha de cupom de desconto, assinalei o "Li e concordo com os termos", mesmo sem lê-los, e por fim cliquei no "Concluir compra". Gastei no processo mais ou menos dez minutos. Já gastei tempo em atividades menos progressistas, o que é meio revigorante para mim, e nem tanto para a medicina da longevidade.
Anteontem a "air fryer" chegou. Foi meu vizinho pedreiro que primeiro me informou. Depois foi a vez do leiteiro. Agora quem me trouxe a boa nova foi o cheiro de batata frita nos ares, às 9h da manhã. Mas ninguém ainda me informou se o Palmeiras tem ou não Mundial. Acho que vou pesquisar no Google. Gastar mais uma hora em propagadas e assunto progressistas.