Com guerra não se brinca
A boa infância de tudo um pouco nos ensina, sobretudo ao brincarmos de coisas boas e ruins, imitando os adultos, como luta de espadas, uso de armas e agressões, numa guerra de plástico. Lembro-me que, em Pilar e depois em Itabaiana, do convite feito: “Vamos brincar de guerrear?” E lá íamos de baladeira em punho, encher mãos e bolsos de sementes de carrapateira. Se éramos dez, faziam-se dois grupos de cinco, porque guerra entre apenas dois indivíduos não existe. Para merecer o nome de guerra, estabelece-se o confronto de grupos, e quanto mais indivíduos envolvidos, mais guerra há. Mesmo sendo uma guerra com balas de sementes de carrapateira, fere-se o olho do outro... Ainda mais, quando malvados trocam as sementes por cacos de telha ou pedras, alegando que não é brincadeira: “guerra é guerra”. Daí, com guerra não se brinca.
A história da guerra contém um saber enorme de diversidades, de tipologias, de tecnologias, de localização, de tempo e de finalidade, e haja tratados de paz. Sabendo-se que todas as guerras são uma continuação política, que ambiciona poder, territórios e recursos econômicos, e quando os conquista, interessa ao vencedor, antes da paz, a submissão do perdedor. Quando os romanos, perdedores, reclamaram para se diminuir o espólio das moedas de ouro, o vencedor Breno (IV a.C.) arrogantemente respondeu-lhes: Vae victis ou “Ai dos vencidos”, colocando sua pesada espada de ferro num dos pratos da balança.
Entre os de boa vontade ou, talvez de má vontade, trata-se o desejo de paz que gera o pacifismo. Mas, há aqueles que vivem para a guerra, de anima irascibilis, cultivando e propagando o belicismo. Ao contrário, o pacifismo seria a negação ou a total rejeição da guerra, que postula o desejo do Bem Comum. Indaga-se, nessas ocasiões, se pode haver paz sem luta... Pergunta daqueles que idolatram o armamentismo e a cultura do ditado Si vis pacem, para bellum ou “se queres a paz, prepara a guerra”. É aqui, onde se contrastam coisas esquisitas da linguagem: A semelhança do bellum (guerra) com o bellus gerador da beleza. Ao bom entendimento, melhor usar-se guerra, que significa luta, peleja, proveniente do vocábulo frâncico werra, daí também war, krieg, guerre, mesmo constando, entre nós, termos como beligerante, bélico e belicoso. Enfim, o lamentável belicismo se iguala ao ativismo negativo do pacifismo, de espírito violento, que, atualmente na ONU, ordena vetar qualquer resolução que proponha cessar fogo, estimulando e vibrando pela continuidade da venda de armas e consequentemente da matança da população de crianças,de jovens, mulheres, idosos e até daqueles enfermos nos hospitais bombardeados...
A guerra existe e persiste. Então surgiram teóricos, principalmente a partir de Nicollò Machiavelli, para definir a guerra, até “guerra fria”, sem fogo, uma espécie de guerra em potência, no freezer, em stand by, esperando que alguém poderoso puxe o gatilho. Não é fria como as sangrentas batalhas, na neve, no gelo, quando correram muitos sangues e morreram muitas vidas. Com tantas guerras, até considerados santos, doutores da Igreja, como São Tomás de Aquino e Santo Agostinho, pronunciaram-se sobre quando a guerra é justa. Justificam assim em circunstância do direito de defesa. Mas, cessada e alcançada a defesa, que não se continue a guerra, a pretexto de vingança, alimentado por um interminável ódio, como historicamente fizeram nos genocídios.
Bom seria que Tomás de Aquino e Agostinho de Hipona, filósofos geniais, dedicassem mais palavras ao pacifismo, contra a guerra, que é um fato universalmente contestável, e não demasiadamente à sofisticação ética e jurídica desse assunto. Contudo, saíram deles conceituações sobre o bellum justum, diferenciando-a da “guerra injusta”. Mesmo assim, eles disseram que, antes do conflito, “o beligerante deve possuir uma justa intenção”. A melhor das intenções seria a de não matar, mas todas as guerras matam...