A PRIMEIRA PEDRA(*)

Pedrinho tinha uma ambição voluntariosa. Queria vencer. Brincando, repetia sempre o romano César: “Vim, vi e venci”. Nascera numa época em que muitos ainda sentiam influências dos resquícios da segunda guerra. Morava com sua família em uma pequena casa, numa cidade próxima a um grande centro industrial. Seus pais, embora virtuosos, desconheciam os princípios elementares da cultura e ensinamento ortodoxos, mas procurava transmitir princípios sobre honestidade, trabalho, respeito aos mais velhos e principalmente gratidão.

O tempo passava e ele crescia com um desejo ferrenho da vitória. Na escola procurava sobressair entre seus colegas. As professoras tinham-no como exemplo de dedicação. Entretanto, por causa de preconceitos, carregava em sua alma e na pele uma mágoa, que num misto de tristeza e agradecimento impulsionava-o para a busca constante do triunfo: a quase cor de ébano. O paradoxo obrigava-o a demonstrar firmeza de caráter que valorizava a impulsão para o sucesso que não poderia falhar. Agradecia a Deus pela vontade constante de querer alcançar o alvo previamente definido. Via na tristeza o impulso que precisava para alcançar sua meta.

Certa feita, já com seus quinze anos de labuta, num pequeno escorregão de imaturidade juvenil, teve seu dorso ferido pela violência do braço de seu genitor com uma chicotada igual à contada por Castro Alves em “Navio Negreiro”. O ato insano fora a quimera para ratificação do desejo de um futuro melhor, num momento incerto, mas provavelmente promissor.

Apesar da mágoa, ainda ficou o respeito ao genitor, que desconhecia os métodos didáticos já colocados na educação dos jovens da época. O pensamento de Pedrinho voou e naquele instante profetizou que seria um descendente vitorioso. Iria dedicar ao pai a sua vitória.

Quase duas décadas passaram e aquele jovem ficara mais responsável. Depois dos sonhos, da inveja dos tolos e dos despreparados, de lutas desiguais, onde suportou, sofreu e rendeu à insanidade dos mais fortes e poderosos, crescera com um objetivo a ser alcançado.

As virtudes daquele novo homem apareceram em maior número e peso. Surgiram também alguns defeitos. Também, só o filho de Deus não os teve. O sonho já estava tornando realidade. O passado não muito distante fora o passaporte para o futuro.

Todos sabiam que a cada dia ele teria que provar a sua competência. Provou. Todos os dias colocavam pedras em seu caminho. Retirou-as. Também não roubou. Não drogou. Não matou. Não teve inveja. Não desejou mal aos seus semelhantes. Não fez da mentira, meio para alcançar objetivos programados. Fez de sua alegria a de muitos.

Tornou-se um homem respeitado. Os historiadores provavelmente reconhecerão ao fazerem o registro para a posteridade.

Mas nos devaneios de conquista do concreto, esqueceu-se do abstrato. O sentimento do “eu” romântico cantado pelo poeta desapareceu. O sonho do amor, como o do parnasiano Raimundo Correia esvaiu-se com a “primeira pomba despertada... Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas. Os sonhos, um por um, céleres voam, como voam as pombas dos pombais;... Mas aos pombais as pombas voltam, mas os sonhos, aos corações não voltam mais”. Ou o sonho do amor não concretizou porque o amor não existe ou não se concretizou pela ingratidão do destino.

O novo homem refletia e meditava. Agora questionava se realmente fora um vencedor. Decidiu não querer mais amar. Mas queria ser feliz. Feliz à sua maneira. Uma felicidade em pequenas doses. Em “free lance” talvez. Seria o seu pecado menor.

Por esta nova postura, quiseram jogá-lo ao fogo. Esqueceram tudo de bom que havia sido feito e construído. Passaram pelo lindo bosque e só enxergaram lenha para a fogueira. Esqueceram do bem. Por ironia, queriam lhe impingir pecados. Não conseguiram concretizar a imolação. Ninguém se atreveu a atirar a primeira pedra. Era uma profecia bíblica.

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(*) O autor é bacharel em Letras, formado pela UNIPAC - Universidade Presidente Antônio Carlos. E-mail: edsong@uai.com.br