Amado

Em diversas digressões, o amor foi colocado à prova, foi objeto de raiva, desespero, desesperança, foi descrito como um dos mais avassaladores de todos os estados afetivos, servindo de inspiração ao ser humano em diversas áreas do conhecimento.

Foi descrito como um dos únicos sentimentos capazes de fornecer a coragem necessária para confiar novamente, ungir nossas mãos para protegê-las de novas queimaduras e novos olhos para enxergar além do medo.

O que não foi dito ainda é que há um tipo de amor que ultrapassa qualquer sentido descrito até agora nessas digressões – o amor que não pode ser vivido.

Há um ditado popular que diz: Existe o amor da sua vida e o amor para sua vida. O amor para sua vida é aquele que se vive realmente, a pessoa que está do seu lado, que segue a vida com você e por você, já o amor da sua vida é aquele que vai te marcar eternamente, mas que não nasceu para ser vivido, dizem também que as almas gêmeas estão destinadas a se encontrarem, não a ficarem juntas.

Como Platão já dizia em seu Simpósio, esse amor é algo elevado, ligado à alma, um amor inatingível, cujo sentimento, por si, já se basta. Esse tipo de amor é um dos mais cultuados de todos, na música, na literatura.

Todos ou quase todos já sentiram ou sentem, por alguém um amor assim, que se fortalece mesmo diante de encontros e desencontros, mesmo seguindo em frente, se relacionando com outras pessoas, ao mínimo toque do ser amado o aflora como se fosse a primeira vez e a única coisa que se deseja é que seja a última.

Um amor que dói pela distância, rasga o peito na tentativa de ir de encontro ao ser amado, um amor que não tem explicação de existir, ele simplesmente está ali e não vai sair, nem que se queira.

A letra da música Amado, de Vanessa da Mata e Marcelo Jeneci, pode demonstrar melhor esse tipo de amor e a vontade que ele carrega:

“Como pode ser gostar de alguém e esse tal alguém não ser seu. Fico desejando nós, gastando o mar, pôr-do-sol, postal, mais ninguém. Peço tanto a Deus para lhe esquecer, mas só de pedir me lembro. Minha linda flor, meu jasmim será, meus melhores beijos serão seus! Sinto que você é ligado a mim, sempre que estou indo, volto atrás. Estou entregue a ponto de estar sempre só esperando um sim ou nunca mais. É tanta graça lá fora passa o tempo sem você, mas pode sim ser sim amado e tudo acontecer. Sinto absoluto o dom de existir, não há solidão, nem pena. Nessa doação, milagres do amor, sinto uma extensão divina. ”

No Simpósio de Platão, Aristófanes, traduziu esse amor como sendo o encontro de duas metades, que sentem as mais extraordinárias sensações, intimidade e amor, a ponto de não quererem mais se separar, e sentem vontade de se “fundirem” novamente num só.

Sócrates falava que, sendo o amor, amor de algo, esse algo é por ele certamente desejado. Mas este objeto do amor só pode ser desejado quando lhe falta e não quando o possui, pois ninguém deseja aquilo de que não precisa mais.

Esse tipo de amor sempre está ausente, mas sempre é solicitado.

Sempre que pensamos tê-lo atingido, ele nos escapa por entre os dedos, causando uma dor inominável que, mesmo sendo ateada ao fogo para morrer em si, não queima - adormece.

Mesmo que a única forma encontrada de diminuir a dor seja sufocar esse amor e torcer para que morra de inanição, ele parece se alimentar de algo inexplicável.

Tudo que mais se quer é que o objeto deste amor o recolha das cinzas, o acolha nos braços e lhe diga que não tem mais razão para sofrer ou doer, que diga que tudo não passou de um mal-entendido, um desencontro sem importância e que é correspondido, traduzindo a verdade do sentimento e unindo para sempre - enquanto dure – os corações e almas ardentes por vivê-lo.

Se mesmo Platão afirmava que este amor não nasceu para ser vivido, quem somos nós - meros mortais - para desejar que ele esteja errado?

Mas como a esperança é a última que morre e é ela que move a alma humana, mesmo que passe uma eternidade, mesmo que haja centenas de desencontros, a esperança de que esse amor possa ser vivido continuará latente.

Ou ainda, mesmo com a certeza de que esse amor não pode ser vivido, mesmo que não haja mais esperanças, o sentimento continuará ali pois não pode ser substituído.

Luís de Camões em sua sabedoria dizia: “Ah o amor... que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei porquê. ”

Não se escolhe quem amar e esse amor será sempre o ponto fraco de quem ama, o que nos resta é aprender a sobreviver e conviver com a dor absurda de amar sem poder viver esse amor.