Os Ensinamentos das Paixões
Shakespeare, em toda a sua análise dos sentimentos humanos, costumava afirmar que as paixões ensinaram a razão aos homens. O dramaturgo inglês estava mais preciso nessa afirmação do que qualquer tratado metafísico, que define o homem como um rato de laboratório minuciosamente controlado pela minúscula ilha da razão diante do mar de afetos que interferem demasiadamente nas atitudes humanas. A razão é o melhor instrumento do ser humano conhecer o mundo, tatear seu ambiente ao redor, mas tratar dos afetos é de sua relevância para o bem estar.
Nas minhas curtas décadas de existência, pude perceber que os grandes doutores do conhecimento acadêmico, grandes professores e pesquisadores com quem convivi, geralmente enfrentavam grandes problemas em suas vidas afetivas. Parece-me que o domínio do conhecimento abstrato está inversamente relacionado ao domínio do campo das paixões na vida desses sujeitos. Cansado de ver intelectuais se comportando como crianças choronas ou adolescentes tardios diante de paixões passageiras, cheguei à conclusão de que muitos são imaturos emocionalmente. O domínio do "mundo abstrato" não é uma condição essencial para uma vivência no "mundo prático", enfatizando a distinção clássica entre conhecimento e sabedoria. Temos conhecedores demais e sábios de menos no mundo atual.
Por mais que isso possa parecer como autoajuda ou literatura simplista, é essencial cuidar das nossas paixões antes de buscarmos crescimento intelectual. A ideia tradicional do ser humano como "animal racional" construída desde os tempos gregos pressupõe uma separação da razão e do corpo/instintos que nunca existiu.
Portanto, para escaparmos da frustração contemporânea causada pelo excesso de informações e pressões sociais, é fundamental desenvolver seres humanos maduros em suas paixões, capazes de lidar com a natureza de seus desejos e identificar claramente os limites do que vivem nesse campo. Cada um deve desenvolver sua própria "filosofia das paixões". Cada vez mais, as pessoas se frustram ao construir ideais de vida baseados nas imposições sociais, como ganhos materiais, conquistas intelectuais e trabalho, em detrimento de conhecer a si mesmas no campo afetivo.
A vida não é uma troca diplomática de deliberações racionais ou cálculos exatos sobre o amanhã. A vida é prática, movimento e contradição, tudo isso enraizado na ebulição, muitas vezes incontrolável, das emoções. São as paixões que fazem o mundo girar, conferem significado (mesmo que às vezes ilusórios) à vida, algo que falta quando vista sob a perspectiva excessivamente cética e racionalista.
Uma abordagem filosófica que pode iluminar essa questão é a de Baruch Spinoza. Segundo este autor, a busca pela compreensão e equilíbrio das emoções é fundamental para uma vida mais plena e sábia. Suas ideias sobre a conatus, a força que impulsiona todos os seres a perseverar na existência, e a busca pela "mente alegre" podem servir como guias para lidar com as paixões de maneira mais consciente e construtiva. Ao aplicar os princípios de spinozianos, podemos encontrar um caminho para viver de forma mais autêntica e alinhada com nossos desejos mais profundos, ao mesmo tempo em que buscamos o crescimento intelectual e emocional.
Em relação a esse assunto, se tem uma coisa que torna a literatura tão fascinante é a sua pedagogia das paixões. O que moveu Odisseu e Dom Quixote para conquistarem o mundo foi, sobretudo, suas paixões por uma mulher amada. Como o herói espanhol, ousar sonhar é o caminho para a grandeza.
Então, aja como Emma Bovary – afinal, só se vive uma vez; portanto, vamos agitar! Viva como um "herói" grego diante de suas tragédias, tendo como combustível da existência as curtas e avassaladoras emoções. Seja um personagem que navegue para longe. E mesmo que o barco esteja à deriva em um oceano absurdo que é a existência, siga o vento das paixões, pois ele será o combustível ao soprar novos ares sobre a vela – assim você poderá avançar.
26.10.2023