Relíquias de um brechó

Pela minha experiência, um brechó seria um local de venda de roupas e objetos usados e talvez surrados pelo uso de alguém. Me surpreendi ao descobrir que colegas de trabalho que se vestiam elegantemente eram frequentadoras assíduas desses locais, em especial de um luxuoso, atraídas pela qualidade das roupas e pelos preços tentadores.

Toda primeira sexta-feira do mês, elas tinham encontro marcado para irem às compras, pois era o dia que as novidades chegavam. Não sabiam o que iriam comprar, mas era certo que sairiam de lá com peças que seriam cobiçadas pelos demais amigos e vizinhos

Numa certa semana, fui convidada para conhecer a tão cobiçada boutique, estritamente feminina. E fiquei surpresa.

Fomos recebidas por uma vitrine luxuosa e por uma proprietária bem vestida, com roupas extremamente de bom gosto. Demonstrou conhecer bem os seus clientes e as preferências de cada uma.

Meus olhos passeavam pelas araras e vitrines, organizadas e delicadamente expondo as peças separadas por tamanhos, cores e estilos. Segundo a proprietária, a mercadoria na sua maioria, era recebida da Europa, mas também das grandes cidades brasileiras que já estão investindo na compra e venda de roupas e objetos de segunda mão.

Cada vez mais, se tornou comum as famílias europeias desfazerem e venderem as roupas e os objetos de seus entes que faleceram, sendo o Brasil um dos países que mais tem feito essa importação. E esta era a origem da mercadoria deste brechó.

Enquanto as colegas, com os braços cheios iam para os provadores, fiquei um tempo observando aquelas peças mimosamente expostas. Casacos, vestidos, blazers, bolsas e chapéus, peças e enfeites de casa. Cada uma, com certeza, acompanhada por uma história oculta. O que levou a sua dona na escolha da peça, em que momento teria sido usada e porque foi descartada pela família? Todas essas respostas ficaram a quilômetros de distância.

Na vitrine, um vestido em especial, me chamou a atenção. Um vestido de festa, saia longa em tons de azul, com um decote avantajado nas costas e bordado no corpo frontal. Seu manequim delicado deve ter vestido uma jovem magra, alta e elegante. Pelo decote, talvez a intenção dela tenha sido exibir uma tez aveludada para chamar a atenção da pessoa amada ou quem sabe, algum pretendente.

Os sentimentos que povoaram a cabecinha e o coração dessa mulher ao adquiri-lo deviam ser de felicidade, visto que era um vestido de festa. Mas agora estava ali, pela falta de sua dona, à espera de um outro corpo para vesti-lo.

Num balcão, fiquei encantada por um vaso de cristal. Imaginei-o na minha sala com as flores que colho aos finais de semana para enfeitar a minha mesa central. Pensei, talvez, que a sua dona também tivesse amado flores como eu e teria tido esse apego por ele. Quis saber da sua origem, e segundo a lojista, teria vindo da Inglaterra, afastado das mãos queridas. Pensando nesse sentimento, levei-o para casa.

Também escolhi comprar uma echarpe branca com uns fiozinhos em prata. Esta deve ter acariciado o colo de alguma senhora em momentos festivos ou em cerimônias religiosas. Tornou-se para mim uma peça que uso com esmero e ao usá-la reverencio àquela que o fez antes de mim.

Gostei de estar lá, me senti bem, mas nostálgica, pensando no sentido da vida. Saí com um sentimento indefinido, mas convicta que os bens materiais, só são valiosos para aqueles que estão vivos. As peças de um brechó somente são relíquias para os novos clientes .

Estela Maria de Oliveira
Enviado por Estela Maria de Oliveira em 27/10/2023
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