Portas de um coração

Portas e janelas. Não sei explicar a magia que sinto ao observá-las. Desde pequena, havia algo na fala de minha mãe que me fazia enxergá-las como algo além da materialidade. Pareciam evocar uma transcendência.

Quando amanhecia o dia, na nossa casinha simples, de zona rural, as portas e janelas eram abertas imediatamente. Lembro da voz de minha mãe: ___ Abram as portas e deixem a luz do céu entrar!

As lamparinas iam sendo apagadas e o colorido do amanhecer invadia o interior da casa expulsando todos da cama. Ninguém mais dormia depois das portas abertas,mesmo no inverno; os afazeres de cada um já começavam assim tão cedo ainda com o sereno cobrindo a terra.

Assim a casa ficava o dia todo, para a entrada e a saída das pessoas. Se chovia, ficávamos de cócoras nas soleiras ou penduradas nas janelas vendo os raios e trovões e a água correndo na porta da cozinha, bebendo no copinho das mãos as que caíam da bica do telhado Á noite, as portas e janelas eram fechadas apenas com uma tranca ou tramela. Não havia necessidade de maior segurança.

Uma casa de portas e janelas abertas parece que sorri para os transeuntes. Convidativa, tem o frescor do ar puro que circula pelos seus aposentos. Tem luz natural, ouve-se os sons dos animais, o cantar do galo, o cacarejar das galinhas, as conversas trocadas do lado de fora.

Uma casa fechada traz melancolia, representa que há falta de vida nos seus moradores. Casa vazia. É preciso bater para poder entrar. O cheiro dos corpos se mantém impregnado nas cobertas e roupas usadas. Há falta de aromas e melodias externas. Ausência da luz do céu.

Ainda hoje, continuo olhando para elas, as portas e janelas, com um olhar da criança que fui. Acho-as lindas, de um significado que causará estranheza para muitos. Vejo-as como uma passagem, como pórticos de entrada para outros planos espirituais. Ao observar uma casa, tento imaginar todos aqueles que por ali passaram. Seus sentimentos, seus sonhos, suas conversas, o que construíram, o que viveram ali dentro e por onde andaram ao transpô-las. Será que abriram-nas suficientemente para que as luzes entrassem e os odores viciados saíssem para a brisa externa?

Não gosto do fim de tarde, quando as luzes vão se apagando aos poucos e as portas e janelas são fechadas. À noite, costumo ficar um tempo observando o céu, o nascer das estrelas e a boniteza do despontar da Lua que irá nos vigiar durante o sono até um novo alvorecer.

Nesse novo dia, pedimos em nossas orações que os pórticos iluminados pelos raios solares e nossos pensamentos possam voar livres em direção à imensidão celeste.

Benditas sejam todas as portas e janelas que se abrem para nós!

Estela Maria de Oliveira
Enviado por Estela Maria de Oliveira em 25/10/2023
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