O engenho e o melado
Ainda ouço o ranger do engenho e a pisadura cadenciada das mulas. O cheiro da garapa sendo fervida está impregnado nas entranhas das narinas da minha memória. Década de cinquenta. Sítio do vô Joãozinho e vó Nica Cubas, ali no bairro Carrascal, em Porangaba.
O dia em que se fazia açúcar era uma festa para os netos que esperavam pela garapa, pelo melado, depois o puxa-puxa e logo os torrões de açúcar mascavo eram sorvidos na boca.
Um dia inteiro de muito suor escorrendo pelo rosto dos trabalhadores, num ritual conhecido há séculos na história do Brasil de escravocratas e canavieiros. Arar a terra, deitar os nós da cana no chão lavrado, capinar o chão, esperar o tempo de chuva e de sol. Colher, moer, enfrentar o fogo e adocicar a boca com os torrões ainda quentes.
É uma festa de fartura. A cana se transforma em litros e litros de melado, em bombonas de açúcar, em álcool e na bagaça que volta para alimentação do gado.
Os muares foram treinados para esse serviço, passam o dia silenciosamente a rodar em volta do engenho, obedecendo o comando do camarada que controla a moagem.
Mexer os tachos é para os fortes, o calor é infernizante, a fumaça agride os olhos, fazendo chorar lágrimas ardentes e as narinas escorrerem sem piedade.
Bendita a hora que a mulher, especialista no ponto de tirar do fogo, vem experimentar as colheradas do caldo grosso no prato com água. Uma correria, todos a postos para retirar os tachos e colocar no chão para bater o até que o caldo grosso vá esbranquiçando e vire o açúcar.
Ao final do dia, resta o cansaço e o prazer de dividir com os vizinhos litros de melados e latinhas de açúcar para confraternizar a produção.
O engenho silencia e dorme até a próxima colheita; fica no terreiro enfeitando o chão batido, adornado pelos círculos feitos pelos cascos dos animais. As mulas acompanham seus donos nas novas tarefas, iniciam um novo ciclo da cana. Eu adormeço sonhando com as minhas memórias!