Encarcerados pelo vício

São inúmeros circulando pela praça, são jovens de idade e velhos de corpo, estragados pelas drogas, doentes de corpo e de alma. Muito triste observá-los deitados no gramado, amontoados na esquina ou juntos ao semáforo esperando por um trocado. Assim que arrecadam umas moedas, um deles corre até o bar mais próximo em busca de um corote de aguardente. A garrafinha é recebida com festa e é passada de mão em mão.

Uma rotina diária nos grandes centros. São anônimos, sem identidade, são temidos. São amigos, solidários, se apaixonam entre eles. Gestam filhos. Abortam filhos. Perdem os filhos para as instituições de guarda infantil. Cuidam e são cuidados por cães, companheiros fiéis. Vão engrossando a corrente da exclusão. Longe de casa, longe da família, são apenas um número a mais no mundo dos nóias.

Percebe-se, entre eles, que há homens e mulheres cultos, jovens saídos de lares sadios, escondidos atrás de barbas e cabelos desalinhados, corpos fétidos. Vivem num submundo, entre ratos dos esgotos, mendigando um pedaço de pão e à deriva na marginalização.

Escravizados num mundo alheio às suas necessidades, são vítimas diretas do tráfico de drogas. Encarcerados no próprio corpo. Evitados pelos transeuntes, não conseguem se ver novamente pertencendo a uma sociedade dita normal. Entram no mundo do crime, da prostituição.

Poucos são procurados pela família, ainda com esperança numa reabilitação. Outros, levando essa vida mundana, deram sossego e alívio para a família continuar existindo. Há o tempo do desespero familiar, há o luto pela dependência e há também o luto pela perda do ser saudável e da entrega definitiva para o mundo da rua. E há uma família vazia e partida emocionalmente pela perda de um ente querido, sugado pela dependência química.

Triste cenário. Uma praça linda, recém inaugurada, florida, contrastando com ocupantes sem vida, sem cor, perambulando sem destino, em círculos. À frente uma igreja cheia de fiéis rezando, se alimentando do evangelho, tecendo círculos e planos para o futuro. Fora, homens e mulheres vazios, sem objetivos e sem sonhos. A vida presente, alimentada pelo álcool, é combustível para a fuga da realidade.

Muitos encontram a cura, através de clínicas de recuperação, mas o caminho para chegar até elas é longo e de difícil acesso. Primeiro é necessário o apoio familiar e o desejo de tornar-se limpo; depois, o investimento para o tratamento, a perseverança e a reinserção social. Recaídas, recaídas. Uma batalha por dia, uma guerra contra o lucrativo comércio do tráfico.

Haverá um novo evangelista, capaz de pescar esses homens que se encontram neste barco à deriva? Neste mar em que vivem não há promessas de vida nova, não há a multiplicação de pães, nem há o milagre do vinho. Nesta praça, do Divino Espírito Santo, há homens e mulheres mutilados, que jazem a céu aberto à espera de um novo Pentecostes.

Estela Maria de Oliveira
Enviado por Estela Maria de Oliveira em 24/10/2023
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