Lições de Sofia
Hoje parecia mais um dia comum, tão monótono quanto os de ontem, anteontem e semana passada. Sol, chuva, calor, frio, nada me chamava a atenção. Tudo me parecia indiferente.
Como de costume, saí para comprar o maldito maço de cigarros no bar da esquina, que também era frequentado pelos mendigos e desamparados. A caminhada de cerca de um quilômetro e meio me levou entre faróis e carros, esbarrando em pessoas e tropeçando nas calçadas.
De repente, uma voz rompeu o silêncio: "Ei! Você está indo ao bar?" Era uma jovem de vinte e poucos anos. Respondi afirmativamente, embora intrigado.
"Posso acompanhá-lo?" - ela perguntou. Eu hesitei por um momento, mas concordei. Enquanto caminhávamos, ela indagou se eu passava por ali todos os dias, ao que respondi que sim. "Meu nome é Sofia. Gosto de conhecer pessoas e trocar ideias para não ficar presa na rotina do silêncio."
"Rotina do silêncio?" - questionei. Ela explicou que era a repetição entediante da vida diária, quando observamos o tempo passar sem proferir uma palavra, reclamando de dores e buscando refúgio em chás e remédios.
"É como dizem, ficamos sozinhos em nosso próprio deserto, exceto quando nos reunimos em velórios. Compreende?" Eu balbuciei concordando, enquanto o mundo ao nosso redor parecia congelar.
"Garota, você parece ter pelo menos quarenta anos", comentei. Ela respondeu de pronto, acusando-me de carregar a idade comigo e de viver morto no presente.
"Mas você não me conhece", protestei. No entanto, ela argumentou que observava minha rotina diária, como eu parava no farol, andava de cabeça baixa, às vezes resmungava e olhava para o horizonte sem se importar com o sino da igreja. Ela afirmou ter me visto desviar de pessoas como se estivesse fugindo e até mesmo ter esbarrado em mim um dia.
"Veja, eu a conheço melhor do que você", disse Sofia. Quando nos despedimos ao voltar do bar, ela me desejou um "até amanhã" e expressou a esperança de me ver novamente.
Em casa, comecei a refletir sobre o que ela havia dito. Ela estava certa: eu era um autômato, desconhecido até para mim mesmo, talvez egoísta. Algo dentro de mim me levou de volta ao bar. Pelo caminho, perguntei a uma senhora se ela tinha visto uma garota chamada Sofia. Ela confirmou que Sofia trabalhava para os "Anônimos de Rua", ajudando os desolados que passavam pelas ruas da vida sem sorrisos, nomes, ou sequer um cumprimento.
Sofia não era uma invenção, era real, mas fazia parte de algo maior. Os Anônimos de Rua ajudavam aqueles que passavam pela vida como sombras, sem um aceno ou um bom dia. Fiquei perturbado com essa revelação.
A senhora me aconselhou a repensar minha vida e a conectar as duas pontas da minha existência. Ela me disse para dar um bom dia à primeira pessoa que cruzasse meu caminho, pois esse é o ABC da vida. Sofia ficaria feliz por ter cumprido sua missão.