SHANGRILA À MINEIRA

Para quem sai do Rio de Janeiro, chegar lá vai demandar horas de estrada, mas posso adiantar o veredicto final: VALE A PENA!!!

Me refiro ao Santuário do Caraça, uma Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN, que se encontra também catalogado como Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço e da Mata Atlântica, mas não pense que tudo são flores, o caminho tortuoso mostra o que essas empresas mineradoras vem fazendo com a cobertura dessas nossas Minas Gerais.

A BR-040, à medida que vai se embrenhando nas alterosas, de repente cores convergem para aquele tom ferruginoso, nada é poupado, principalmente no reino vegetal, das rasteiras aos eucaliptos da beira da estrada, apenas formas da natureza permanecem inalteradas.

O ar que deveria ser inodoro e não interferir na visibilidade, neste caminho vai depositando infinitas partículas sobre tudo e as vezes dentro de lugares indevidos, como pulmões de pessoas, que sem opção de inserção no mercado, acabam abreviando sua qualidade de vida e a própria existência no cotidiano das mineradoras.

O Santuário do Caraça é circundado por dois municípios, Catas Altas e Santa Bárbara, nestes muito pouco sobrou da cobertura original, hoje povoado por lagoas de decantação e solos exauridos e expostos, onde a vida foi alijada em definitivo.

A associação com Shangrila vem de sua formação rochosa, que isola completamente o santuário de seu devastado entorno. Com montanhas que superam dois mil metros de altitude, essa formação circular se conforma como uma mega cratera, tal qual a de um vulcão extinto. Existe apenas um acesso, fruto de pequena falha da Serra do Espinhaço. Essa conformação especial tem seus prós e contras, perde, por exemplo, em termos de insolação, o sol demora muito para vencer suas colinas a leste, e se põe prematuramente a oeste pela mesma causa.

Uma placa deveria ser colocada a beira da estrada saldando o momento em que você pode apreciar parte da circular disposição das formações rochosas, sanduichada pela azul celeste acima, e as tonalidades verdejantes abaixo.

Neste santuário, quem não teve a oportunidade de conhecer um sumidouro, vai se encantar com um de grandes proporções, de repente o rio Caraça depois de cruzar toda RPPN mergulha para sair, nem sei bem onde. A fartura hídrica e o sistema fechado fazem com que rios confluam para a única calha, que associada à verticalidade das montanhas, cria condições para formação de cachoeiras, ênfase para a Cascatona com seus mais de noventa metros de queda livre.

Logo que você se hospeda no rústico hotel recebe um mapinha da RPPN onde estão traçadas as trilhas policromáticas, com informação detalhada de cada um dos caminhos, como distância, tempo médio para fazer um bate e volta e também o mais importante o grau de dificuldade de cada um dos caminhos. Em adicional, pontos de interesse no caminho ou próximo, como cachoeiras, belvederes ou alguma especificidade do terreno, como possibilidade de alagamento na estação de chuvas mais frequentes.

Quem busca este tipo de hotel obviamente não se preocupa com a tradicional qualificação por estrelas, até porque não vai conseguir encontrar. Esta premissa vale tanto para instalações, como para alimentação, ou seja, neste lugar vale o modo quase espartano de ser. Quartos são limpos, pequenos e não disponibilizam nenhum agrado para o cliente.

A alimentação tem uma característica preservada do seu tempo de internato de estudantes. Um grande, arejado e claro refeitório, onde se farão todas refeições, enquanto estiver hospedado. A gastronomia é mineira de raiz e funciona num serviço self service, disposto sobre um mega fogão a lenha. No café da manhã frutas, leite, café e pão ficam ali a sua espera sobre o vermelhão que reverte o tradicional fogão. Se aprecia ovos, duas bocas e duas frigideiras estão a postos para serem usadas. Tanto no almoço como na janta, as opções ficam dispostas sobre as muitas bocas do fogão, nesse momento apenas mantendo o calor das grandes panelas, onde algumas horas antes, foram concebidas no lento processo de preparo desses históricos fogões.

Ao final do dia, padre Lauro convoca todos a missa, enquanto lá fora começa a escurecer e a temperatura a cair. Depois, vem uma seção pipoca para os apreciadores do cereal. Com a noite, além do frio, chega o momento mais aguardado por muitos.

Padre Lauro aparece com um prato cheio de carne a milanesa, a forma tradicional de atrair o mais famoso morador do Caraça, o lobo Guará. Ele chega desconfiado, do alto de suas esguias pernas pretas, que sustentam seu corpo caramelo. O padre tem intimidade com o animal selvagem, que atende ao pedido de subir as escadas do adro da igreja.

Em pouco tempo, hipnotizado pelo apelo da comida, ele cai de boca. Nesse momento, a noite se faz dia, função do ininterrupto espocar de flashes de celulares e máquinas fotográficas. Enquanto a comida não for toda devorada, o lobo se sujeitará a essa explosão de luzes.

No dia seguinte, puxei uma conversa com o padre, e ele se sentiu a vontade para apresentar seu hobby, que agora seria veiculado através de uma exposição aberta ao público. Nela, seria exibida uma seleção de fotos que ele produzira nos muitos anos de convívio com o Caraça.

Se você não foi ao Caraça, então vá!!!!!

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 22/10/2023
Código do texto: T7914730
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