VIAGEM INUSITADA

Faz poucas semanas, que quebrei uma rotina que mantenho há pelo menos uma década, a troca de carro, quando este atinge a fatídica marca dos cinquenta mil quilômetros rodados.

Esse sábio conselho partiu de um colega de trabalho, que goza de um padrão de vida mais alto, e sempre se permitiu esse luxo, que na realidade simplifica em muito o convívio com uma máquina cara e imprescindível para uma faixa da classe média.

A atual queda do poder aquisitivo, associada à alta vertiginosa do preço dos veículos 0 km, desta vez me incentivou a prolongar a vida útil do meu carro.

Fiz uma revisão detalhada dos componentes em duas oficinas, na primeira os serviços se restringiram a ações básicas de troca de componentes e substituição de fluidos necessários ao motor. Na segunda, a surpresa veio pesada, a suspensão dianteira do carro apresentava sérios problemas, sendo necessária uma substituição imediata de muitos componentes.

Aproveitei também para melhorar a estética do veículo, retirando pequenos arranhões, amassados da lataria e por fim aplicar um polimento para equalizar a pintura depois da lanternagem.

Em função dessas necessárias intervenções, acabei utilizando serviços do UBER, para pequenos deslocamentos na cidade. E foi assim que vivenciei uma história que qualifico como non sense.

Acionei o serviço do UBER e quando me dei conta do veículo que atendia ao chamado, fiquei em dúvida da veracidade do fato. Era um Mercedes-Benz, imaginei que fosse aquele modelo fabricado em Minas Gerais, o classe A, que teve vida efêmera, função de dois sérios problemas a combinação de alto preço e desempenho pífio.

Plantado na porta de casa, me espantei quando vi o Mercedão que se aproximava, sugeri ao motorista que subisse até um trecho mais largo da ladeira, que facilitaria a manobra. O senhor de cabelo branquinho, agradeceu e prosseguiu.

Entrei no carrão, e não me controlei, perguntei logo o que um carro daquele fazia no serviço de UBER, e nem na categoria Black estava enquadrado.

Com toda a calma do mundo, ele resumiu a pronta resposta, fuga, como fuga? Então veio a explicação prá lá de especial. A aposentadoria tinha tornado sua vida infernal, pois a esposa, idosa como ele, não cansava de pegar no seu pé a manhã inteira.

Já tinha tentado se trancar no escritório para ler, mas ela intervinha. Apelou para assistir séries até tarde visando adiar a hora de despertar, essa artimanha também não funcionou, sua parceira acordava, e não deixava que prolongasse o sono matinal.

Ele torcia para que a tarde chegasse logo, só nesse período conseguia desfrutar da companhia de seus velhos companheiros do Iate Clube do Rio de Janeiro, onde juntos almoçavam e em seguida saiam de lancha para uma infinita troca de idéias, e às vezes até conseguiam pegar um peixe, que mais tarde presenteavam a algum felizardo funcionário do clube.

Quando o tempo não ajudava, passavam a tarde se divertindo com tira gostos, goles de cerveja, tacos, caçapas e bolas, numa das mesas oficiais de sinuca disponibilizadas em um salão do clube.

A estratégia do Fabrício, o protagonista da história, passou a tomar o café da manhã no horário habitual, em seguida partia com o carro e passou a trocar idéias com interlocutores, que extasiados, embarcavam pela primeira vez num luxuoso carro importado.

Rodava apenas de 2ª a 6ª feira das nove da manhã ao meio dia, e gostava da rotina de sempre conhecer pessoas tão diferentes todos os dias.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 22/10/2023
Código do texto: T7914727
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