CONTOS QUE NÃO SÃO CONTADOS
Naquela tarde tranquila de domingo, 08 de outubro, eu me encontrava caminhando pelos becos dos musseques na cidade de Luanda, com minha mochila nas costas e os pensamentos vagando por mundos de reflexão. Os becos eram estreitos, onde a vida real acontecia longe dos olhos das luzes da cidade, um universo oculto repleto de histórias que a maioria preferiria esquecer.
Ao entrar em um desses becos, me deparei com uma cena que marcaria minha alma. Jovens, adultos e crianças reviravam o lixo como se estivessem em busca de um tesouro inestimável, um diamante Lulo, cujo paradeiro permanecia um mistério. Era uma cena desoladora, uma realidade amarga que escapava à atenção da sociedade.
De repente, uma pequena figura chamou minha atenção. Uma criança de olhos tristes, lábios ressecados, cabelo desgrenhado, descalço, vestindo um casaco preto velho e um calção azul imundo. Em sua mão, segurava um saco branco que parecia conter preciosidades, mas que estava longe disso. Ela se aproximou de mim, seus olhos brilhando com uma mistura de esperança e dor.
"O mano pode me ajudar?", perguntou com uma voz suave, mas cheia de urgência. "Minha barriga dói tanto."
Olhei para aquela criança com profunda tristeza e compaixão. Tirando um pacote de bolachas da minha mochila, estendi-o a ela. Ela agradeceu com um sorriso tímido, dizendo que levaria as bolachas para seus irmãos. Contou-me que no musseque onde vivia, muitas crianças passavam fome, a educação era um luxo inacessível, e a vida digna, uma quimera distante. Seus olhos transmitiam não apenas a fome por alimento, mas também a fome por conhecimento, oportunidades e um futuro melhor.
Uma lágrima rolou dos meus olhos, e fiquei ali parado, imerso em pensamentos sombrios. Como eu poderia explicar a essa criança que o presidente do país havia dito que a fome era algo relativo? Como poderia descrever o abismo que separava os discursos políticos das realidades duras que eu tinha testemunhado naqueles becos negligenciados?
Enquanto eu deixava o musseque para trás, eu não conseguia evitar sentir que ali, naqueles becos esquecidos, existiam contos que não eram contados, vidas que não eram vistas. Era como se o mundo preferisse manter uma venda sobre os olhos, ignorando as lutas silenciosas e as esperanças eternas que nasciam naquelas ruas escuras.