Re: MOTE POESIA ONLINE DIA 21/12/2007 POSTAR APÓS MEIA NOITE « Resposta #19 em: 23/Dez/07 08:28 » Citar Modificar -------------------------------------------------------------------------------- 

Citação de: Mara Regina Weiss em 20/Dez/07 22:47 "O Natal agita uma varinha mágica sobre todo o mundo, e observe, tudo é mais suave e mais bonito." Norman Vincent Peale "


Recordações de natais da minha vida 


A mãe gostava muito deste período festivo, que se repetiu todos os anos na sua vida, e que nos arrastou transmitindo-nos essa alegria.. 
Falando da mãe, falo do pai também, que se envolvia também nesta ordem natalícia, embora quem fosse mais arreigada aos costumes era efectivamente a mãe, por tradição familiar e, festejava esta data de acordo com os usos e costumes da sua terra Natal. 
Quando foi para África, transportou consigo, todo a tradição natalícia a que estava habituada a viver. 
Assim, fui vivenciando toda a minha vida assim como os meus irmãos, neste embalar de ceias opíparas de perus, (que eu vi matar, felizmente poucas vezes…não me agradava tal cena.) em  festas  que  tinham um mixto de paganismo e religiosidade. 
Quanto aos perús, a grande tradição comestivel, estes passavam por um cerimonial de grande bebedeira antes de serem sacrificados e irem para a panela. Confessso que era a coisa que a meus olhos eu achava uma crueldade, mas tradição é tradição. 
Havia também, o hábito bem arreigado do bacalhau cozido com couve troncha, a chamada couve portuguesa, bem regada com o bom azeite e, o marisco, que tínhamos em grande quantidade nesta abençoada terra tropical 
As velhoses,uma espécie de sonhos, uma iguaria feita de abóbora fritos em azeite e embrulhados em açúcar e canela. Velhoses, tipico de terras ribatejanas, nossa origem. 
Os sonhos era coisa diferente que a mãe não fazia. Também se faziam as azevias e os cuscurões, as rabanadas, assim como o bolo-rei e outros doces como o bom arroz doce. 
Tudo isto saia das maravilhosas mãos da minha mãe, a rainha da cozinha que, não lamentava o esforço que fazia, estando horas a fio de pé ao fogão. Claro havia sempre ajudas, evidentemente, mas a chefia era dela. 
Quanto á mesa  posta com esmero, com a melhor toalha e enfeites eram também motivo de admiração. 
Por nossa conta ficava a àrvore e o presépio. A àrvore era bem enfeitada de bolinhas e fiozinhos e muito algodão, a fingir a neve, que não tinhamos, e iluminada com lâmpadas coloridas. Depois, o presépio era ornamentado com tudo o que apanhavamos, ervas, musgo, pedras e , com as imagens de N.. Senhora S. José,  os pastores os reis magos e outras figurinhas. Todos os anos se acrescentavam figuras.
Ainda tenho o menino Jesus, comprado quando apenas tinha três anos. Está já sem um bracinho mas, ainda hoje, representa o papel principal do presépio, que todos os anos se faz na nossa casa. 
Nessa altura, há já longos anos, andavam a vender pinheiros e casuarinas, um tipo de pinheiro do norte da europa, e toda a gente comprava o seu e o enfeitavam a seu gosto. 
Hoje já os pinheiros são artificiais e, eu acho bem. Felizmente que agora já se pensa mais na defesa do ambiente e na floresta. Sempre achei criminoso cortar as àrvores. Aliás o pai ,um dia, plantou o pinheiro do natal no quintal ,e ele cresceu tanto que chegou ao primeiro andar da casa. Por lá ficou .
Colocávamos sempre os sapatos na chaminé para o menino Jesus dar ordem para as prendas. ai os nossos corações batiam porque contava para as prendas o merecimento de cada um.
Não ligávamos muito ao pai natal. Na minha infância não lhe davamos muita importância. A figura central foi sempre o menino jesus. Até porque eu sabia, que quem comprava as prendas era o pai e a mãe, mas também escrevia a minha cartinha que colocava no presépio. 
Na nossa cidade de África onde havia muitas comunidades de várias nacionalidades, cada um fazia o que lhe era comum às suas tradições, mas todos beneficiavamos com o intercâmbio das várias culturas unidas num só sentimento, a vivência do aniversário de Jesus. 
Era hábito da mãe, ter roupas novas para vestirmos no dia de natal. Nisso ela esmerava-se, e sentia muito orgulho de nos enfeitar com bonitas indumentárias, que logo pela manhã iriam brilhar na missa do dia de natal e beijar o menino Jesus, que o sr. padre, pacientemente segurava nas mãos, para que todos tivessem oportunidade de o fazer. 
Mas o mais interessante disto tudo era a azáfama, aquele vai e vem de preparos, aquele nervosismo, aquela correria que me fazia adoçar a boca, arregalar os olhos de prazer e confusão, e eramos assim como que um rapa tachos pois não deixavamos escapar nada sem meter lá o dedo e provar. 
A mãe irritava-se mas era benevolente tambem com as nossas traquinices e curiosidades.
Era um período alegre vivido com euforia, mas com muita simplicidade, e África dava o seu toque de magia que não encontrei nunca por cá por terras lusas.
Talvez, que as quentes terras tropicais, fossem as grandes culpadas de tanto acaloramento nos nossos corações. 
Os mais assíduos à religiosidade iam à missa do galo. A mãe preferia ir de manhã. 
Era essencialmente, uma festa de família, em que se juntavam os familiares mais próximos, amigos e os empregados e suas famílias, numa mesa farta que era colocada nas traseiras da casa. Havia ali um enorme telheiro debaixo de um caramanchão. Um sitio muito agradável próprio para se estar ao ar livre e que se utilizava muito, quase em todas as residências.
 Toda a gente confraternizava com um espírito benfazejo que infelizmente em muitos, não perdurava pelo ano adiante. 
A mãe tinha os seus segredos, sabiamos que ela tinha carinho por pessoas menos favorecidas e que não esquecia nunca.
Sempre foi uma pessoa muito generosa e com sentimentos de amor pelo próximo. Nela avultava muito o sentimento da fraternidade.
  No dia de natal, de manhã, era uma corrida às prendas, e depois, as maiores ou menores satisfações de cada um. Mas acabava sempre tudo bem. Havia prendas para todos. Sem luxos, sem serem coisas exorbitantes. Cada um dava o que podia e tinha na sua vontade.
Cantavamos e rodeavamos a árvore e o presépio numa vivência que nos tinha sido transmitida pela nossa mãe e que se tornava em grande regozijo. 
No ano novo, a coisa era diferente, matavam um cabrito e havia novamente festa rija, desta vez os reveillons (festas dançantes) eram o culminante deste período tão eufórico em que se esperava o ano novo em festa mais animada, em que se farrava, até ao raiar do dia, acabando muitos vezes na praia da ilha, numa agradável banhoca nas quentes e saborosas águas oceânicas, e até se adormecia na areia muitas vezes, claro, isto era com os mais jovens. Também se faziam farras em casas particulares.
Depois vinha o dia de reis em que não se cantavam as janeiras como se fazia em terras metropolitanas mas,  por tradição africana, desfilavam grupos, pelas ruas da cidade, cantando, em cortejos tipo carnavalesco, parando às portas das casas e pedindo oferendas que prontamente se satisfaziam . O cunho emprestado a estas janeiras era jenuinamente africano, mas percebia-se que a influência europeia ali tinha também algum enraizamento. A cultura etnográfica africana é riquissima em rituais ancestrais.
E a festa, enfim terminava ao fim de duas semanas de euforia. 
Não me refiro aqui à festa nas roças,  que eram passadas num ambiente idêntico, apenas mais animado com batuques, festas jenuinamente gentilicas, os trabalhadores tinham os seus hábitos que eram respeitados, mas a confraternização fazia-se igualmente num espirito de comunidade entre patrões e empregados todos sentados à mesma mesa . A diferença não era assim muito forte, apenas havia menos barulho de cidade. 
O silêncio das noites quentes estreladas tornavam-nas mais afectuosas mais intimas, e o som  dos batuques em que se misturavam os variadissimos instrumentos musicais quer gentilicos quer originários da europa com o ribombar dos tambores e canticos ouviam-se pela noite adentro. Acredito de alguma nostalgia sentida, saudades familiares ou outros sentimentos que nessa noite fragilizasse mais os corações.
Mas o mais importante desta festa, repetida todos os anos, e ansiosamente esperada, era o calor familiar a alegria e o grande abraço protector solidário e amoroso, que a todos imbuía e donde nascia aquela sentida emoção, que tornava este tempo tão especial e que perdurava em nossos corações, amolecendo-os tanto, tornando a festa maior de todas as festas do ano. O aniversário do menino Jesus. Penso, que nestes dias, o azul dos céus da minha africa amada, tinha um brilho mais bonito , o sol sorria mais caloroso e as estrelas emprestavam o seu brilho á terra que ficava mais iluminada e resplandecia de amor alegria e esperança na fraternidade entre os homens, sem diferenças, sem exclusões. Um abraço que enleava todos num só. . ... abençoada minha  terra africana amada que a trago sempre no meu coração.

De t,ta
 
Tetita ou Té
Enviado por Tetita ou Té em 25/12/2007
Reeditado em 26/12/2007
Código do texto: T791188
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