O CPF, o brinco do SISBOV e a vingança!
(Em homenagem ao Gebardo, e uma lembrança do Damião e do Adão Ribeiro. Um pouco longo, é de 2002)
Todos sabem o significado de CPF. As filas nas portas das lotéricas devem começar brevemente. Está na hora de uma legião de isentos renovarem o seu.
O Cadastro da Pessoa Física é instrumento de progresso. Não que você vai ficar mais rico; aliás você vai ficar 60 centavos mais pobre, é a taxa da lotérica. Em compensação, que delírio!, você adquire o direito de ser membro do primeiro time. Com o CPF você pode comprar a crediário; ser avalista do primo; inscrever em concurso público; abrir poupança e até conta fantasma.
Se tudo isso não o satisfizer. Você pode vingar do governo, fazendo raiva no senhor Everardo Maciel, segundo dizem, o mais eficaz Secretário que a Receita Federal já teve. Como? Não faça a renovação do seu CPF, aí, ele vai cancelá-lo. Aí, você faz outro.
O brinco do SISBOV é para o boi, a vaca e o bezerro. Funciona como o CPF. Não que vá melhorar o desempenho genético do boi. Aquela carne de pescoço que você come não ficará melhor nem pior. O que melhora a picanha, o leite, o couro do sapato que você não pode comprar é tecnologia de manejo: alimentação, sanidade, DNA...
Com o SISBOV, o boi brincado passa a ser cidadão(?) de primeiro mundo. Adquire direitos incomensuráveis: nome de grife estampado em embalagens translúcidas, mostrando impudicas formas light; destaque nas pistas geladas de hipermercados; carícias de chef’s chapeludos. E o que é melhor: viagem de primeira classe para a Europa e os Estados Unidos.
Tem uma dificuldade. Se o boi não estiver satisfeito com tudo isso, igualzinho a você, não tem a quem reclamar. O brinco é uma invenção de mercados consumidores cada vez mais exigentes. Mercados consumidores cada vez mais exigentes são frutos de tecnologias sempre crescentes. Tecnologias sempre crescentes são invenções de economias hegemônicas. Economias hegemônicas, desde que o boi é boi, são economias que detêm poder financeiro, técnico e expandem ao infinito mercados consumidores cada vez mais exigentes, tecnologias sempre mais aprimoradas, em nome do progresso, progresso que lhes interessam, que lhes permitem ficar cada vez mais hegemônicas.
Ao boi de brinco restará, numa clara noite enluarada; empanturrado de ração tansgênica; depois de infrutíferas piscadelas para a vaca, dar um mugido, abrir disparada e num lance de sorte pular o arame eletrificado, perder o brinco e quebrar a perna.
Aí, os peões, bem cedinho, ligam para o patrão. Fazem uma vala rasa, enchem de angico, botam fogo. Correm ao Damião, pegam um garrafão do Adão Ribeiro e, entre acordes de viola, gemidos da sanfona, estalar de brasas, confraternizam...
... a vingança do boi de brinco!
Ituiutaba – MG, 02/08/02