Cenáculo

Gabriel Resgala

Cá estou eu. Com uma Halls na boca, diante de Deus. Ali uma senhora, lá um rapaz, um pouco mais pra lá uma moça que entra e fica poucos segundos. Alguns parecem ficar horas. Outros parecem ficar a eternidade - mesmo que seja só por um minuto...

Um cara negro, com uma camisa amarela da seleção, uma mochila nas costas e uma sacola de supermercado na mão se põe a andar por entre os bancos, murmurando algumas orações e levantando as mãos, como se abençoasse a todos que estamos aqui sentados, buscando um pouco de paz em meio à correria do dia-a-dia... Um “louquinho”, como costumam chamar carinhosamente essas pessoas. Que nos abençoe, então, seu louquinho!... Oração nunca é demais...

E lá está Deus. Parado, imóvel, constante, feito um filete de um preparado branco de farinha que chamam pão. Pão? Aquilo não mata a fome de ninguém!... É que nem casca de biscoito wafer, aquela camadinha que separa um recheio de chocolate do outro. Não alimenta, e não tem gosto de nada...

Mas é assim que Deus se manifesta. É assim que os católicos acreditam que Deus se faz presente no pão: literalmente. E a forma como tratam esse pãozinho é intrigante, tem toda uma mística, uma certa mágica... Talvez não como se fosse literalmente o corpo de Jesus, ensangüentado ou glorioso – como, sendo humano, manipular o corpo de Deus? Mas talvez com todo o respeito que é possível a nós, humanos que somos, como Deus nos fez – e como ele também se fez...

E cá estou eu. Sentado, de frente pra ti. Carros passando lá fora, alarmes tocando, de vez em quando uma sirene a toda velocidade. E nesta capela, cercada por dois edifícios imensos, se faz presente um silêncio profundo, sereno, em plena avenida mais movimentada da cidade...

É...

Se Deus não está aqui, não sei onde ele está.

(J. de Fora, 27.06.07)

TEXTO PUBLICADO NA OBRA "COMPREI JUJUBA!" - www.compreijujuba.blogspot.com