UM CASO DE AMOR GRENÁ
Na década de 70, no período da Ditadura Militar, o MEC- Ministério da Educação e Cultura- e a USAID (United States Agency for International Development) firmaram acordos para construções de educandários no Brasil. A partir da disponibilização de recursos financeiros, começaram a ser construídas em nosso País as escolas conhecidas como “polivalentes”.
Linhares foi agraciada com duas delas: a primeira em 1971, no bairro Novo Horizonte, recebeu o nome de “Polivalente de Linhares I”; a segunda foi instalada no bairro Araçá e foi chamada de “José de Caldas Brito”. Ambas têm arquiteturas completamente diferentes de tudo o que nós, brasileiros, conhecíamos por escolas: foram construídas com tijolinhos à mostra, os telhados não possuíam forro e tinham uma parte bem alta, com janelas de vidro, que possibilitavam a luminosidade natural das salas de aula.
Não conseguirei descrever tão bem o segundo colégio acima citado, mas o faço em relação ao primeiro, pois nele atuei como professora de inglês, como Diretora e como coordenadora do noturno, de 1982 a 1997, quando eu pedi remoção e passei a lecionar no Centro de Estudos Supletivos de Linhares, até o ano 2000.
Conheci o Polivalente de Linhares I, provavelmente, em 1972, acompanhando o meu pai, o Tenente Nilo, fotografando festas. Uma delas era junina, realizada na área à frente da escola e me lembro de que um dos dançarinos da quadrilha era um pré-adolescente, que havia sido meu vizinho: Vanderlei Ceolin (proprietário das concessionárias Fiat, de Linhares e São Mateus).
Uma outra festa do Poli I (nome pelo qual é carinhosamente conhecido) culminou com um desfile de rainha da escola, realizado no alto da “arena” (uma espécie de fosso, quadrado, contendo três ou quatro degraus em cada lado, onde os adolescentes se sentavam para conversarem e/ou lancharem durante os recreios, bem no estilo das escolas americanas) e sagrou-se vencedora uma linda mocinha chamada Ruth Lea Rosa Porto (esposa do Dr. Antônio Carlos Lugon Ferreira).
Soube por meio de minhas amigas, Susete Eller dos Santos e Carmen Bassi Porto, que logo no início do seu funcionamento, 1972, os uniformes eram constituídos por calças compridas de cor grená e as camisas eram feitas em tecidos de cor creme. Posteriormente, eles passaram a ser compostos por calça de cor verde oliva e camisas em tecido de cor creme, tendo na cintura uma espécie de cós e dois bolsos, na altura dos peitos, ambos com tampas triangulares, invertidas, muito parecidas com as usadas em fardas militares.
Desde 2022, por decisão da Sedu, os alunos do Poli I usam uniforme de cores variadas, que identificam a modalidade que estudam: calças vermelhas, camisetas brancas e mangas da cor da calça (Fundamental e Médio: Integral), calças verdes e camisetas com mangas verdes (Ensino Médio: Regular), ou camisetas com mangas azuis (EJA). A escola está bem mais bonita, muitas coisas mudaram para melhor, mas há uma que não mudou: o escudo da escola. Ele foi desenhado por uma das mais competentes e talentosas professoras de História, que o Poli I teve: Roza Virgínia Sarcinelli Vichi.
Em 1982, quis o destino que eu fosse aprovada em concurso público para atuar como professora de inglês exatamente no Poli I, e por causa disso, quando eu me casei, escolhi morar na mesma rua, coladinha com ele. Ali comecei minha carreira docente, regendo dez turmas de sétimas e oitavas séries, mas três anos depois assumi a direção, solicitei a instalação do Ensino Médio e assumi uma das coordenações do noturno. Nessa época, o uniforme já era constituído por calças compridas de cor grená, camisas de tecido e meias, ambas brancas, e sapatos pretos.
Pouco após eu assumir minha cadeira, eu descobri que a escola estava bastante depredada (dizia-se que os causadores tinham sido os muitos desabrigados da terrível enchente de 1979, que causara grandes danos a Linhares), que a biblioteca não funcionava, porque não havia funcionários designados para atuarem nela, que os alunos não tinha refeitório para merendarem, que a bomba d’água vivia com defeito, que as lâmpadas queimavam e não havia recursos e nem pessoal para trocá-las, que a “arena” ficava entupida quando chovia, que não havia material para manutenção das salas especiais e nem bolas para os treinamentos na quadra de “piso rala coco” (mas apesar disso tudo, o Polivalente foi o maior celeiro de atletas de handball, de Linhares, graças ao admirável trabalho da sua excelente treinadora, a professora Glaydes De Nadai).
Mesmo assim, ainda funcionavam as quatro técnicas que caracterizavam as escolas polivalentes: TA (Técnicas Agrícolas, conduzida por Jonas Regatieri) TED (Técnicas de Economias Domésticas, lideradas por Maria da Penha Silvano Jovita e Susete Eller dos Santos), TI (Técnicas Industriais, comandada por Alceir Puppim) e TC (Técnicas Comerciais, conduzida por João Bonaparte).
Eram tempos muito difíceis, pois a escola não recebia recursos para manutenção, tendo de, alternativamente, explorar a cantina e realizar festas para poder se manter. Além disso, todos vivíamos muito insatisfeitos, pois nossos salários viviam atrasados e defasados. Durante a realização das pesquisas para produção da minha dissertação de mestrado, descobri que as dezenas de greves que presenciei em Linhares (inclusive as “Operações Tartaruga”: cada uma das cinco aulas diárias era dada em trinta minutos, totalizando 150 minutos, em vez dos 250 minutos esperados) tiveram início em 1979.
Nos quinze anos em que eu me dediquei ao Poli I, eu fui muuuuuuuuito feliz, porque conheci muita gente boa, tanto alunos, quanto professores, coordenadores, pessoal de secretaria e serventes. Tenho imensa alegria, quando me encontro ou sou reconhecida por meus antigos discentes, em especial, os que me cumprimentam dizendo o que eu lhes ensinei a falar em resposta ao cumprimento que eu lhes dirigia ao entrar em suas salas, de manhã ou de tarde: “Good morning/ Good afternoon, teacher! How are you?”. Mas há, também, aqueles que se tornaram grandes amigos e que são atores de histórias que merecem ser contadas em outras crônicas.
A de hoje nasceu, porque na semana passada muitas escolas estavam comemorando o Dia das Crianças (12/10) e o Dia do Professor (15/10). Na EEEM “Emir de Macedo Gomes”, onde trabalho, houve gincanas para os alunos e cerimônias e lanches festivos para os docentes. Lembrei-me das muitas festas, jantares, serestas e gincanas, maravilhosos, que fizemos no Poli I, contando apenas com o amor de toda a comunidade escolar.
Tenho vontade de citar os nomes de TODOS os colegas, que trabalharam comigo no Poli I (eu os amo muito), mas essa crônica ficaria enfadonha demais, por isso, além dos que já estão citados, eu rendo homenagem a uma amiga querida que, infelizmente, a Covid-19 levou: Wilza dos Santos Costa; e agradeço à professora, Sidineia Barrozo da Silva, pelas preciosas informações, que me forneceu para elaboração dessa crônica.
Da mesma forma seria enjoativo citar os nomes dos muitos alunos que marcaram a minha vida, mas cito alguns e com eles estou homenageando todos: Erlânia Cossuol (uma menina que se mostrava rebelde para esconder a dor de diversas carências e que, com o passar dos anos, se tornou uma espécie de filha minha) e aqueles, que quase nos matavam de rir cumprindo as tarefas das gincanas do noturno: “Os Metralhas”, os gêmeos Carlos José e José Carlos Veridiano; a dupla Pitty Geira e Natival da Conceição, interpretando “Teresinha” (Maria Betânia) e os alunos Shirley e Carlos Magno Amorim, encenando a música “Siga seu rumo” (Pimpinela).
Ao longo de minha vida profissional, meu coração se vestiu de vermelho (Ceisc), de azul royal (Cristo Rei), de vermelho e preto (Unilinhares), de laranja (Faculdade Pitágoras) e de verde (Colégio Ouse), mas ele sempre se enterneceu demais, todas as vezes que viu, em qualquer lugar, o uniforme grená e o escudo do Poli I.